quinta-feira, 31 de julho de 2008

Expedição do Patrimônio Vivo – 7º dia – Ijaci (MG) – Circuito Vale Verde e Quedas D’Água

Andressa Iza Gonçalves e Paulo de Morais. Fotos – Sansão Bogarim.
Texto concluído às 23h.


Começamos o dia com a intenção de conhecer a pedra de Santo Antônio, cuja história tínhamos ouvido no dia anterior, na comunidade do Rosário. Saímos então de Itumirim às 7h30 em direção ao distrito e perguntamos sobre o caminho que leva ao local. A estrada de terra atravessa uma serra com belas paisagens. Do alto, pudemos avistar o Lago do Funil, represa que existe há apenas quatro anos, quando a cidade de Ijaci passou a sediar uma nova usina hidroelétrica. O lago chega até o município de Itumirim e cobriu, quando foi enchido, parte da gruta de Santo Antônio. Foi construída uma passarela para que os devotos possam chegar ao interior da gruta. Passeamos pelo local aproveitando a bela vista que o lago proporciona.

Depois da rápida passagem pela gruta, tivemos que nos despedir da expedicionária Sandra Coelho, que teve de voltar à cidade do Serro, onde desenvolve os trabalhos que contribuíram para o registro do Queijo Minas como patrimônio imaterial brasileiro. Passamos por dentro de Ijaci para deixá-la em Lavras, de onde embarcou para Belo Horizonte. Ali encontramos com a também turismóloga Liliane das Mercês Santos, gestora do Circuito Turístico Vale Verde e Quedas D’água, que passou a acompanhar a Expedição. Voltamos a Ijaci para começar o sétimo dia de trabalho.
Primeira parada – 13h01 – Prefeitura Municipal de Ijaci
Encontramos Reginaldo Alves Vilas Bôas, funcionário da Secretaria de Educação e Cultura da cidade. Explicamos os objetivos da expedição e ele logo se mostrou bastante interessado. Ele nos contou a respeito da história da cidade, que foi emancipada de Lavras em 1963. O nome vem do tupi, “Rio da Lua”, e o município tem cerca de 6 mil habitantes. Com uma energia contagiante, decidimos sair logo a campo e encontrar as pessoas que iríamos conversar naquela tarde.
Segunda parada – 13h35 – Casa do senhor Antônio dos Santos – Ijaci

Para começar a visita, não podíamos deixar de conversar com uma pessoa que soubesse a história da cidade. Por isso, encontramos seu Antônio, um ijaciense de 77 anos, que fez de tudo na vida. Ele já foi boiadeiro, carreiro, comerciante, dono de bar e padaria. Aprendemos que Ijaci começou quando o fazendeiro Vigilato Vilas Bôas doou parte de suas terras para a Igreja. Foi construída, então, uma capela ao redor da qual surgiu o arraial que pertencia a Lavras.
Órfão aos sete anos e criados pelos avós lavradores, José Messias Vilas Bôas e Liduína de Bastos Vilas Bôas, Seu Antônio lembrou dos tempos em que existiam poucas casas e as ruas eram de grama ou de terra. De lá para cá, a igreja,erguida em homenagem a Nossa Senhora da Conceição, foi reconstruída duas vezes. O motivo, segundo ele, vem do fato de a cidade ter sido construída sobre um lençol freático, o que provoca rachaduras nas construções e já chegou até a causar tremores de terra na cidade vizinha, Bom Sucesso. Perguntamos detalhes sobre a cultura local, ele se lembrou com saudade das festas de antigamente. As principais eram a Festa da Padroeira e o Carnaval. Os tempos eram de muita religiosidade e respeito, portanto, não havia registros de violência. Seu Antônio terminou a conversa nos indicando dona Geraldina para conversarmos, e seguimos até a casa dela.
Terceira parada – 14h25 – Casa de Dona Geraldina – Ijaci

Quando entramos na casa de Dona Geraldina Umbelina de Castro, encontramos um fogão de lenha ainda quente. Da cozinha, dava para sentir o cheiro de doce. Ela tinha feito doce de leite mole pela manhã. Nascida em Ijaci, filha de Joaquim Porfírio dos Santos e Idalina Umbelina dos Santos, Geraldina tem 85 anos, nove filhos, 15 netos e 13 bisnetos. É a única remanescente de uma família de cinco irmãos. Nasceu numa casa bastante simples, de adobe, onde começou a trabalhar na roça com 10 anos de idade.
Aprendeu a fazer doces com a mãe, que aprendera com a avó. Qualquer doce de fruta ela tira de letra, garante. A receita do de leite estava na ponta da língua: “quinze litros de leite, cinco quilos de açúcar, um pouquinho de pó Royal, deixa ferver e joga um pouquinho de maizena; depois deixa duas horas no fogo”. Dona Geraldina contou que o marido, João de Deus de Castro Filho, era serrador. Serrava madeira para a construção de casas, currais, paióis. No entanto, a profissão foi caindo em desuso e, sem alternativa de renda, seu João resolveu começar a produzir doces caseiros.
No início, a produção era vendida de porta em porta, tanto em Ijaci quanto em Lavras. Com o tempo, os doces de dona Geraldina ganharam fama, e ela começou a receber os compradores em casa. Atualmente, os filhos ajudam na produção e até netos e bisnetos começam a aprender as primeiras receitas. Diante de tantas opções, a doceira tem o seu preferido: a cocada morena. “Rala o côco, coloca o açúcar na panela até queimar, põe o fogo e mexe até dar o ponto”, explica dona Geraldina.

A conversa terminou com dona Geraldina lembrando que, apesar do serviço pesado nas lavouras, ela tem saudades dos tempos antigos. “A gente trabalhava muito, mas era todo mundo alegre”, recordou. Experimentamos doces de laranja, côco e goiaba e nos despedimos daquela simpática família.
Quarta parada – 16h12 – Atelier de Adevágner Antônio Rodrigues

Saímos da casa de dona Geraldina em direção à casa de um artesão que trabalha com cipós. No caminho, encontramos um embaixador de reis da cidade sentado em uma esquina sob a sombra de uma árvore. José Paulo da Silva, de 53 anos, mais conhecido como seu Pachola, conheceu a Folia de Reis com o pai, José Francisco da Silva, lavrador e tocador de cavaquinho que também era folieiro. Ele comentou sobre as dificuldades de os grupos de reis se manterem hoje em dia, pois os mais novos estão ficando mais desinteressados na tradição.
Duas esquinas adiante, chegamos à casa de Adevágner Antônio Rodrigues, apelidade pelo avô José Sebastião de Lico. Hoje com 37 anos, Lico nos contou que seu pai era de Feira de Santana, na Bahia, e se mudou para Minas Gerais em busca de emprego. Acabou se estabelecendo em Ijaci como ferroviário, onde conheceu a mãe do artesão. Ele nos relatou também que o talento para o artesanato vem da família, pois os avós paternos trabalhavam com palha de coco, sisal e barro, no interior da Bahia.

Usando apenas alicate, faca e canivete, Lico faz desde luminárias de teto até objetos decorativos. Ele lembrou que iniciou o trabalho artesanal com bambu, mas percebeu que era uma técnica já muito difundida e, buscando algo original, encontrou cipós no meio do mato e começou a manuseá-los. “E Deus abençoou meu dom”, explicou. Atualmente, o artesão vende muito para compradores de São Paulo e Rio de Janeiro. Devido ao grande número de pedidos, não consegue mais atender às encomendas em pouco tempo.
Lico descreveu os tipos de cipó que usa: cipó São João, cipó chiador e cipó-cravo. Ele explicou que a espécie é uma espécie de praga, que se multiplica largamente pela região e pode até matar algumas árvores. Em alguns casos, fazendeiros pedem que sejam retirados cipós, pois eles podem até enforcar bois no pasto. Para manuseá-los, é preciso deixar um dia submersos em água. Assim como o bambu, o cipó deve ser cortado na lua minguante, para evitar caruncho.
Evangélico e pai de três filhos, Lico tem uma banda de música gospel. O artesão não tem dúvida de que dom da música vem do sangue baiano. Encerramos a conversa ouvindo de Lico que ele aprendeu sua técnica de artesanato toda sozinho. “Foi tudo dom de Deus”, finalizou.

Quinta parada – sítio de Maria Aparecida Vilas Bôas e Miguel Vilas Bôas

Fomos recebidos no sítio Bela Vista pelo casal, dona Maria logo nos contou que tinha nascido ali mesmo e que herdou do avô, José Balbino de Lima, o engenho tocado por animais, hoje substituído pelo elétrico. A modernidade não acarretou grandes mudanças no modo de fazer da rapadura, conforme podemos verificar pela fala de Aparecida. “Meu vô conta que teve uma época no passado que faltou açúcar na região. Ele nunca trabalhou tanto na vida dele, virava dia e noite na beira do tacho”, disse, referindo-se provavelmente no período da segunda guerra mundial, em que o açúcar foi racionado.
Naquele tempo, a vigilância sobre os produtores de rapadura era menos rigorosa. “Meu vô transportava rapadura para vender em Lavras, no carro de boi do mesmo jeito que leva tijolo, sem proteção nem nada. Hoje tem que ser tudo embaladinho, com etiqueta e tudo mais”, compara.
Começamos a conversar sobre o processo de fabricação da rapadura. Ele nos mostrou os três tachos onde ferve a garapa. “Primeiro tem que plantar a cana, ela demora um ano e meio para ficar no ponto. Depois, tem que tirar a cana na seca porque no tempo das águas a cana volta a ficar verde, e perde o teor de açúcar. Na seca, ela fica mais docinha”. Dona Aparecida disse que começa o processo moendo a cana. A garapa vai toda para o tacho grande. Ali vai apurando e sendo transportado para o tacho médio. Em seguida vai para o tacho pequeno até dar o ponto. No final vai para uma gamela e é repartido na forma. A forma comporta 60 rapaduras. Por semana, Dona Aparecida e seu Miguel. Nos despedimos com uma rápida passagem pelo canavial, onde Dona Aparecida fez a gentileza de partir a cana para nós chuparmos.

Terminamos o dia assistindo a um belo pôr do sol, no distrito da Macaia, localizado na beira do lago do Funil, e que fica muito próximo de Ijaci, mas pertence a Bom Sucesso.
Não perca amanhã a cidade de Bom Sucesso na Expedição do Patrimônio Vivo.

5 comentários:

Unknown disse...

Já saudosa dessa expedição maravilhosa e com vontade de ter experimentado os doces de Ijaci deixo aqui poucas palavras do que foi ter participado dessa experiência fantástica: Conhecer novos lugares e suas peculiaridades foi realmente demais, na companhia do espetacular Sansão com seu olhar clínico para as paisagens e pessoas, com a competência e amizade do Paulo e com o carinho e dedicação da Andressa foi tudo mesmo SUPER GRACINHA..rsrs...
Descobri com os depoimentos das pessoas um lado magnífico da vida, é preciso realmente valorizar e reconhecer a história de vida dessas pessoas que a expedição PATRIMÔNIO VIVO desbrava...
Quero parabenizar a iniciativa de todos envolvidos neste projeto e destacar que há muitos patrimônios vivos por aí que merecem nossa atenção e registro.
Grande abraço a todos e BOA SORTE na continuidade desse lindo trabalho.

Unknown disse...

Apesar de saber que não aguentaria esta maratona, como gostaria de conversar com estas pessoas que vocês conheceram. Parabéns por este trabalho. Isto valoriza a memória das pessoas, e aumenta a auto estima.

Beijos,

Hélia.

MarcosVBoas disse...

Parabéns pelo brilhante trabalho que vocês fizeram nesta região, sou Ijaciense, filho da Dona Maria e seu Miguel Vilas Bôas, gostei muito dessa reportagem, não só pelo meus pais, mas por tuda histótria, história essa desconhecida por muitos, mas graças a vocês esse quadro poderá ser revertido. Obrigado!

Unknown disse...

Gostaria de entrar em contato com a Liliane das Merces Santos, me interesso pelo circuito do qual ela é gestora. Poderiam me ajudar ??

Anônimo disse...

Prezado Marcus,

Entre em contato pelo site do circuito, www.circuitovaleverde.tur.br.

Abraço
Paulo