“Naquele tempo, aqui tinha muita coisa. Tinha cinema, passava os filmes do Mazzaropi. Tinha música também. Eu mesma fazia parte do conjunto, tocava sax. Tinha 13 pessoas na banda, e a gente apresentava nos bailes que tinha aqui. No Carnaval, tocava três dias direto, sem parar.” Estas revelações poderiam sair de qualquer idoso contando sobre a vida no interior de Minas. No entanto, as frases foram ditas pela ex-enfermeira Aparecida Nadaletti, moradora de um lugar estigmatizado pela doença e visto como sombrio e tenebroso por boa parte dos tricordianos: a antiga Colônia Santa Fé, atualmente Casa de Saúde Santa Fé. O local, que atualmente abriga um centro de reabilitação de idosos da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), funcionou durante anos como o local onde hansenianos de várias cidades eram mantidos isolados do convívio com a sociedade.
Aparecida foi apenas um dos quatorze ex-hansenianos entrevistados pelo “Mutirão de Histórias de Vida – Descobrindo palavras que formam pessoas”, que aconteceu neste último sábado e domingo em Três Corações. O projeto, uma parceria entre a Viraminas Associação Cultural e o Espaço Cultura e Lazer da Casa de Saúde Santa Fé, reuniu 15 voluntários, de diversas profissões e idades, em torno do objetivo de registrar a memória de moradores da comunidade de Santa Fé. A proposta era de mostrar que as pessoas que viveram ali não eram apenas portadores da hanseníase, mas também tinham vida social e cultural, trabalhavam e se divertiam. “Nossa proposta é mostrar as coisas boas que aconteceram na vida dessas pessoas. Tirar delas a visão de que a vida foi apenas sofrimento e com isso levantar a auto-estima delas”, afirma o coordenador do projeto, o jornalista Paulo Morais, da Viraminas.
Além dos bailes e da banda de música, uma série de outras revelações surgiram pelas entrevistas. A comunidade de Santa Fé já teve dois times de futebol, grupos de teatro, encenações da paixão de Cristo, barbeiro, cabeleireiro, dentista, missas, casamentos, cadeia. Todos os profissionais da comunidade eram hansenianos, pois, segundo os moradores, as pessoas de fora da Colônia não tinham coragem de trabalhar no local. O isolamento acabou por transformar os moradores (que já chegaram a quase cinco mil), numa grande família, em que todos se ajudavam.
O fotógrafo Sansão Bogarim registrou o trabalho, e uma exposição de textos e imagens será montada ainda no mês de setembro, mostrando para a comunidade tricordiana trechos das entrevistas coletadas, amplificando os bons resultados do projeto e colaborando para desmistificar a aura negativa que, para muitos, ainda paira sobre Santa Fé. “Quando se fala de Santa Fé, muitas vezes só se fala em doença. Esse trabalho vem para dar uma nova significação a este espaço, para mostrar que existe muito mais o que se mostrar dessa comunidade”, explica o coordenador do Espaço Cultura e Lazer, Sidney do Carmo.
Entre os envolvidos com o projeto, a sensação foi de dever cumprido. “Santa Fé tem muita história para contar, e precisava deste projeto”, avalia Rosa Leite, antiga moradora do local e militante do movimento dos ex-hansenianos. A exposição fotográfica terá início na primeira quinzena de setembro. Nos meses seguintes, irá circular pela cidade de Três Corações e ainda será levada para outras ex-colônias de Minas Gerais.
A equipe de coordenação do projeto Mutirão de Histórias de Vida esteve nesta última segunda-feira (25/8) na Rádio Tropical apresentando os bons resultados do projeto. A reportagem foi ao ar nesta terça e pode ser ouvida no site da Tropical.
2 comentários:
Muito bem. É isso aí. Bom trabalho pra todos. Imagino quanto vocês estão aprendendo com tudo isso.
Parabéns.
O Trabalho é muito interessante, só espero que vcs não estejam fazendo este trabalho para se promoverem! Afinal é uma linda história (de sofrimento, dor e muito preconceito)
Lembrem-se, são seres humanos reais!
Não é um estórinha!!!
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