
Durante a palestra que ministrou em Varginha, pelo Observatório da Diversidade Cultural, o antropólogo José Márcio Barros lançou o desafio: “acompanhem um dia inteiro de televisão e vejam de onde vem a maioria da programação que passa”. Logicamente que logo em seguida ele mesmo desencorajou os presentes a cometerem tal perda de tempo. Também, nem precisa. Ninguém tem dúvida de que a cultura que a televisão traz para dentro de nossas casas é produto enlatado norte-americano, seja pelos desenhos animados, seja pelos filmes de Hollywood.
Bem, se ligarmos o rádio, principalmente as estações voltadas para o público jovem, a situação não vai ser lá muito diferente. As músicas norte-americanas ocupam todo o espaço. Ao consumimos bens culturais estrangeiros em massa, como acontece com a enxurrada de filmes e músicas estadunidenses na mídia comercial, vamos aos poucos absorvendo comportamentos e seguindo padrões e modismos que não são propriamente nossos. A tendência, é claro, é a imposição de valores de uma cultura sobre a outra e a massificação dos nossos modos de pensar e agir, dos nossos gostos, das nossas atitudes. Nesse sistema viciado pela indústria cultural, pouco sobra espaço para o diferente, para o diverso, para quem vai na contramão do que a mídia prega como padrão.
Esta reflexão vem apenas ilustrar um pouco do que foi dito no encontro que tivemos em Varginha para a palestra sobre a Diversidade Cultural. José Márcio fez diversas outras análises sobre comportamento que mostram a necessidade e a urgência de valorizar a diversidade das expressões culturais. Essa discussão vem conquistando espaço nos debates internacionais desde quando a Unesco - órgão das Nações Unidas para a Cultura - iniciou as conversas que culminaram com a ratificação da Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais.
Os detalhes desta convenção, seus impactos nas políticas públicas de cultura e o papel do poder público e da sociedade civil são amplamente discutidos no livro Diversidade Cultural - da Proteção à Promoção, lançado pelo Observatório da Diversidade Cultural (organização de José Márcio Barros, editora Autêntica). A obra traz diversos textos de autores ligados a universidades, à sociedade civil e ao Ministério da Cultura lançando olhares sobre o tema e apresenta-se como leitura indispensável para quem quer estar antenado com o que acontece no universo da produção cultural de hoje.
O livro é dividido em temáticas: Promoção e Proteção da Diversidade Cultural, Diversidade Cultural e Desenvolvimento Humano, Diversidade Cultural e Educação. Das várias reflexões lançadas nos textos, algumas chamam mais a atenção. A arquiteta Jurema Machado, coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, lembrou que o País teve um papel fundamental na aprovação da Convenção, sendo um dos líderes do movimento. O documento equivale a uma legislação internacional, que deve passar a constar das leis internas dos países signatários. (Detalhe: a tal Convenção foi aprovada por quase a totalidade dos países; a exceção ficou por conta de Estados Unidos e Israel). Dentre as normas que o texto propõe, os países podem criar mecanismos para valorizar suas culturas, sendo que os bens culturais não podem ser meramente tratados como mercadoria, como gostariam os magnatas de Hollywood.
O antropólogo Gersem Luciano Baniwa, por sua vez, discute a questão da diversidade dentro do território brasileiro e levanta um dado interessante. O Brasil tem cerca de 200 etnias e quase 200 línguas distribuídas entre os povos indígenas. Metade dessas pessoas não fala português. Como podem então ter direito à cidadania se não compreendem aquilo que se fala nos tribunais, nos cartórios, nas televisões? Ele cita como exemplo de respeito à diversidade o município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, onde nasceu, e que tem três línguas indígenas como co-oficiais: Nheengatu, Baniwa e Tukano. Sugere ainda a criação de programas na rede pública de tevê em línguas indígenas, como o Guarani, nem que seja em horários alternativos da madrugada.
Outro texto interessante vem da antropóloga Tânia Dauster Magalhães e Silva, que relata a dificuldade de pessoas oriundas de setores populares no relacionamento com universitários da elite. Ela apresenta como as pessoas que vêm de regiões mais pobres economicamente e de escolas públicas eram tratados na universidade apenas como ouvintes, e nunca lhes era dada a chance de falar o que pensam. A também antropóloga Nilma Lino Gomes retrata a questão racial dentro das universidades. Com base em argumentos estatísticos, ela mostra por que as ações afirmativas são fundamentais para garantir o ingresso a diversidade cultural no ensino superior e como isso tem papel central num projeto de nação.
A discussão vai muito mais além. Como as entidades do terceiro setor devem agir para fazer valer a Convenção, o papel da comunicação na promoção da Cultura e as ações do governo brasileiro nos últimos anos são apresentados, levando o leitor a ficar por dentro de uma série de conceitos e ideias atuais. Como já foi dito, a leitura é indispensável para quem quer acompanhar as novidades do pensamento cultural de hoje. Fica o convite à leitura.
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