quarta-feira, 14 de julho de 2010

Direto ao ponto: Inventário dos Terreiros promove diversidade cultural e religiosa

Não é de hoje que as expressões religiosas de matriz africana sofrem com o preconceito e a intolerância de boa parte dos brasileiros. Muita gente ainda abarca o candomblé e a umbanda, em sua diversidade de formas e cultos, dentro da ideia única de macumba, espiritismo ou outras denominações pejorativas. E não precisa ser nenhum especialista para saber que a explicação disso é como todo enredo de escola de samba: começa no momento em que Cabral pisou por aqui.

Derrotar o preconceito religioso é uma forma de garantir preceitos que estão na constituição, desde a liberdade de culto à igualdade de todos perante à lei. É com este pensamento que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) lançou em fevereiro deste ano o Inventário dos Terreiros do Distrito Federal e Entorno, publicação que chegou à biblioteca do Museu da Oralidade por ocasião do encontro da rede Negras Raízes, em Paracatu, em maio deste ano.

A obra vai direto ao ponto, sem rodeios. Uma boa apresentação, assinada pelo superintendente do Iphan no DF, Alfredo Gastal, relata a resistência do conselho consultivo do órgão em acatar o primeiro pedido de tombamento de um terreiro de candomblé soteropolitano como patrimônio cultural brasileiro, ainda na década de 1980. Naquela época, o juízo de valor então vigente atribuía o título apenas a construções de estilo europeu e elitista, situação que começou a ser repensada a partir daquela discussão.

Paralelamente à popularização do reconhecimento de construções como patrimônio histórico, outras discussões foram ganhando relevância com o tema, envolvendo a diversidade cultural e o patrimônio imaterial. Estas mudanças fortalecem o entendimento da importância das religiões de matriz africana como formadores de nossa identidade.

O Inventário então revela ao leitor, de forma precisa e rápida, onde e como funcionam 26 terreiros de umbanda e candomblé de Brasília e das cidades satélites, narrando o histórico de cada um e falando da relação com a comunidade. Os registros foram feitos por meio de questionários e trazem, ainda, o calendário festivo e religioso de cada centro.

É interessante perceber que uma parte dos terreiros pesquisados vem de migrantes baianos, que criaram "filiais" de seus centros originais na capital federal. Outra parte veio trazida de outros migrantes, mineiros, goianos e cariocas, enquanto alguns mais recentes surgiram espontaneamente em Brasília a partir do trabalho de moradores locais.

Sobre o relacionamento com a vizinhança, há casos relatados de alguns terreiros que tiveram de se mudar para outros bairros por conta da intolerância. Porém, chama a atenção o fato de vários deles apresentarem boa relação com a comunidade, mesmo se tratando de vizinhos de outras religiões. Este dado positivo pode ser atribuído, como mostra o inventário, às obras sociais dirigidas pelos pais de santo. Além da distribuição de comida aos mais necessitados, existem terreiros que oferecem cursos profissionalizantes, biblioteca e telecentros comunitários. Em um deles, foi instalado um Ponto de Cultura.

Após os registros dos terreiros, o Inventário apresenta as legislações pertinentes ao tema da promoção da diversidade cultural e um glossário com termos de candomblé e umbanda. Os dois anexos explicitam ainda mais a intenção da obra de se tornar uma referência para o reconhecimento das expressões culturais de origem africana como herança cultural formadora da identidade brasileira.

A criação de inventários é fundamental para qualquer política de preservação, promoção e difusão do patrimônio cultural, seja de qualquer lugar. A ideia é simples: não há como preservar aquilo que não se conhece. Para quem quer se embrenhar na tarefa de realizar trabalhos de pesquisa de cultura e memória, o inventário do Distrito Federal é uma excelente obra tanto para referência quanto para inspiração.

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