terça-feira, 24 de julho de 2007

A memória de Luminárias


Sabe aquelas histórias que o vô da gente conta quando os primos estão reunidos? Os casos, ou causos, na linguagem popular, que os mais velhos contam são recheados de boas histórias, personagens, lendas e outros detalhes que só os mais experientes conheceram e que despertam a curiosidade de qualquer um.

Pode até não parecer, mas histórias simples do dia-a-dia contadas pelos mais velhos conseguem, quando reunidas, contar a história de um local, de uma cidade ou mesmo de uma região.


E são esses causos que foram catalogados na primeira fase do projeto Memórias Iluminadas, executada em Luminárias entre fevereiro e maio deste ano. Foram entrevistados 25 personalidades da cidade, todos nascidos entre 1911 e 1939. Alguns foram entrevistados juntos, como no caso dos irmãos Abigail e Jair e dos casais Nagib e Dalva e Antônio e Júlia (foto).


Há relatos de tudo quanto é tipo. O padre Waldyr, por exemplo conta tudo sobre a religião. O ex-carapina (espécie de carpinteiro) Oliveira conta as histórias do tempo em que essa profissão ainda existia. Seu Geraldo Neco (foto), no auge dos seus 96 anos, tomou sua cachacinha diária para contar histórias do tempo em que trabalhava tirando pedra com marreta das pedreiras da cidade. Seu Zé do Sílvio conta os causos divertidos dos mutirões de limpar roça. Seu Clece e seu Bibe dão versões políticas aos fatos que marcaram a cidade. Seu Toninho lembra dos tempos em que a mãe tinha a única pensão da cidade.


E assim vai indo. Seu João Oscar conta dos caçadores de veados, dona Iolanda Melo lembra das luzes na serra, seu Valdemar disserta sobre os curadores e raizeiros que tinha na cidade, dona Lucy (foto) fala da época das quadrilhas e das rodas de cavaquinho lotadas no quintal de casa.


Todos esses e vários e vários e vários outros causos estarão no livro Memórias Iluminadas, uma leitura da história de Luminárias contada pelos moradores mais antigos do município. Os entrevistados foram indicados pelos próprios moradores da comunidade. Será deles a chance de contar o que aconteceu na cidade de modo livre, divertido e sem amarras.


Um exemplo, só para degustação, com o trecho da entrevista do seu Zé do Sílvio:


Mentiroso aqui tinha. O grandioso foi o Zé Almeida. Ele levava queijo de fábrica no cargueiro daqui pra Estação de Carrancas. O Zé Almeida fez o seu Abílio, que morava perto da estação de Carrancas, sair de lá pra vir no enterro do seu Manoel Furtado aqui em Luminárias. E, ao mesmo tempo, fez o seu Manoel sair pra ir no enterro do seu Abílio. Os dois homem encontraram no meio do caminho. Ele passou na fazenda do seu Abílio e falou pra ele:
- Ó, o Seu Manoel Furtado morreu, o enterro é lá em Luminárias tantas horas.
E tocou e veio depressa, passou na fazenda do Seu Manoel e falou:
- Ó, o seu Abílio morreu e o enterro é em Carrancas tantas horas.
Os dois veio e pegou o cavalo e encontraram no meio do caminho. Eu acho que avistaram de longe, mas como se diz, eles logo desconfiaram porque o histórico do Zé Almeida ia longe!


O projeto foi inscrito no Fundo Estadual de Cultura. O resultado sai em meados de agosto. Será publicado o livro de causos, que estará disponível também na internet. Quem se interessou, agora é só esperar.

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