terça-feira, 29 de julho de 2008

Expedição do Patrimônio Vivo – 4º dia – São Thomé das Letras (MG) – Circuito Vale Verde e Quedas D’Água

Por Andressa Iza Gonçalves, Paulo de Morais e Sandra Maura Coelho. Fotos: Sansão Bogarim. Texto concluído às 21h26 de segunda-feira.



Logo no início do dia, nosso fotógrafo nos surpreendeu com uma boa notícia. Como sempre acontece, Sansão foi o primeiro a levantar e, sem que soubéssemos, voltou ao Cristo Redentor de Luminárias, desta vez para fotografar o nascer-do-sol.”O entardecer é bonito, mais belo é amanhecer”, disse ele enquanto começávamos este texto. Partimos para São Thomé das Letras às 9h, animados com o bom resultado do dia anterior. Na estrada, nos chamou a atenção o contraste entre as belas paisagens e as jazidas de pedra.





Primeira parada – 10h – Sobradinho – Distrito de São Thomé das Letras (MG)



A primeira coisa que fizemos em Sobradinho foi tomar um café em frente à Igreja do distrito. Observamos três senhores sentados no banco da praça e resolvemos começar nossa abordagem por ali. Eles ficaram satisfeitos por verem um grupo de jovens interessados em resgatar histórias e conhecimentos do povo antigo. Eles nos indicaram a casa da dona Maria da Conceição Resende, uma senhora de 75 anos, legítima nativa de Sobradinho.

Segundo ela, Sobradinho começou a se formar nas terras do avô, Bento Gonçalves Leite. Ali foi erguida uma capela em homenagem a Nossa Senhora da Guia, ao redor da qual se construiu a comunidade. “A igrejinha era pequena, foi destruída e construíram essa que está aí”, nos revelou dona Conceição. Percebemos que esta é uma tendência constante nos locais por onde passamos. Com o crescimento da população, as comunidades sentiram necessidade de ampliar as igrejas e, por isso, derrubaram as capelas originais.

Mãe de doze filhos, nove deles nascidos pelas mãos da sogra Maria José de Melo, dona Conceição começou a conversa falando das brincadeiras dos tempos de infância, Estudada até a terceira série do primário, ela nos contou que todos os brinquedos eram feitos em casa, porque naquela época a família não tinha dinheiro para comprar. “Minha mãe fazia as bonecas de pano e nós fazia casinha de barro, mas hoje modificou tudo”, comparou.

Ela se lembrou do casamento aos 16 anos, com Geraldo Batista e relembrou os tempos em que ele era tropeiro. “Ele levava três a quatro dias para chegar em Baependi. Toda semana ele ia lá vender milho, queijo, feijão. Dormia nos rancho, tinha as panelas, fazia comida, levava arroz, feijão, toucinho, café e coador”, disse. Perguntamos o que o marido levava para os dias de frio e Dona Conceição nos respondeu que ele usava mantas tecidas por tecedeiras de Sobradinho, o que nos levou a questionar a respeito do ofício de tecer.

Dona Conceição disse que não tecia, mas lembrava do modo de fazer pois observou o trabalho da cunhada a vida inteira. “Tirava o lã do carneiro e tinha que lavar e cardar (desfiar com um pente próprio). Depois, fiava na roda e tingia. Pra amarelo, usava a quaresminha do campo. Azul era pinheiro; rosa, urucum do campo”, lembrou. Para terminar, perguntamos sobre os bailes da roça de antigamente. Com muito saudosismo, Dona Conceição comentou que havia os mutirões de limpar pasto e que, depois, os fazendeiros ofereciam festas com sanfona até o sol raiar.

Resolvemos entrar no assunto da extração de pedras. “Há muito tempo que ranca pedra aqui. Antes vinha com marreta e tirava as pedra no poder dos braço. Hoje, ta mais fácil”, disse. Por fim, Dona Conceição comentou sobre o orgulho do neto, Nivaldo Neves, que, além de ser professor na escola do distrito, é o companheiro de morada. Todos os demais netos tiveram que se mudar, pois não há empregos no local como antigamente, em que a lavoura oferecia trabalho para todos.

Segunda parada – Olaria na estrada entre Sobradinho e São Thomé das Letras – 11h50




Nos despedimos da simpática dona Conceição e seguimos rumo a São Thomé. No caminho, eis que aparece uma olaria de tijolo artesanal. Lá encontramos Renato Arantes Ribeiro trabalhando com o barro. Ele nos contou que aprendeu o ofício com o pai, João Inácio Ribeiro, e, hoje, faz mil tijolos por dia no tempo de seca, pois no tempo das águas a produção fica comprometida. O barro é jogado na forma, “untada” com areia para evitar que o barro grude. As duas ferramentas usadas são a forma e o arco, usado para tirar o excesso.

Terceira parada – 14h35 - Atelier do escultor Anderson Costa


Após sermos recebidos pelo funcionário do Departamento de Turismo e Cultura Edvaldo, seguimos para uma conversa com Anderson Costa, artesão mais conhecido como Brôa, que faz esculturas em madeira de cedro. Nativo de São Thomé das Letras, e, desde os 12 anos, herdou a responsabilidade de cuidar dos seis irmãos, devido ao falecimento do pai e da mãe, Nedir Costa Brasil. É pai de dois filhos e casou-se aos 21 anos. Até esta idade, ele trabalhou com extração de pedra São Thomé. “Eu tirava 2.200 metros de pedra por mês, acordava às cinco da manhã e ficava na pedreira até as sete da noite. O dia que eu ganhava, ficava tudo para a alimentação dos meus irmãos”, lembrou ele, que, devido à responsabilidade que assumiu cedo, não teve a oportunidade de completar os estudos. Nascido a 1º de novembro de 1971, dia de todos os santos, ele saiu da pedreira quando se casou e comprou um trailler para vender lanches a turistas.
Desde o início da conversa, estávamos impressionados com a qualidade das esculturas que nos cercavam. Perguntamos quando aquele talento tinha se despertado, e a exatidão e a rapidez de sua reposta, dos deixou boquiabertos. “ Foi em primeiro de janeiro de 2003 que eu tive meu primeiro sonho, até então nunca tinha esculpido na minha vida. Sonhava que estava andando no meio da floresta, procurando madeiras do meu tamanho.” Durante os 40 dias seguintes, o mesmo sonho voltou a se manifestar. Inspirado, ele tentou desenhar a imagem de São Tomé em um pedaço do tamanho de um palmo, tentativa que levou 10 dias. Ao comparar a imagem que tinha feito com a da igreja, Anderson se decepcionou. “Pedi desculpas a Deus por não conseguir fazer direito, tentei esquecer, mas o sonhos voltaram mais fortes e fui me entregando à madeira e visualizando as imagens que sempre se manifestam em sonho.” Nos contou que foi evoluindo na arte e em espírito. A evolução, inclusive, nos pareceu evidente, à medida em que comparávamos as primeiras peças com as atuais.
Sua definição para o momento que esculpe as peças que vê em sonhos, é a seguinte: “Quando estou esculpindo, navego em águas calmas. Minhas peças são confeccionadas de acordo com a minha emoção, o que toca meu coração naquele momento eu transfiro para a madeira”. Brôa disse não esperar que um dia chegue a perfeição, pois, segundo ele, ela não existe. Sobre as ferramentas que utiliza, o artesão enumerou: formão em v, coiva, enxó, serrote, madeira e talento. As peças maiores demoram até 11 meses para ficar prontas. Há até pouco tempo, Anderson não vendia o que produzia, pois se apegava às esculturas. Entretanto, recebeu de Deus um sinal que o encorajou a comercializar as peças. Apesar disso, até hoje ele vive da churrascaria que funciona no mesmo local que o ateliê. Encerramos o bate-papo certos que estávamos diante de um artista que será reconhecido mundialmente pelo talento diferenciado.
Quarta parada – 16h02 – Ruínas da primeira padaria de São Thomé das Letras


Para conversar com o casal Jaci de Oliveira, de 70 anos, e Idalina Cândida das Graças, de 67 anos, escolhemos as ruínas da primeira padaria da cidade como cenário. O que nos levou ao dois foi o fato de eles serem os responsáveis pelo grupo das Pastorinhas. A tradição atualmente conta com dois homens e dez mulheres e sai à rua nos mesmos dias da Folia de Reis. Durante algumas décadas, a tradição ficou adormecida, mas há quatro anos foi reativada, graças a iniciativa de dona Tomelina Nunes, irmã de dona Idalina. O pai de seu Jaci, João Angelino de Oliveira, viveu nos tempos que o município era chamado de Arraial de São Thomé, foi embaixador de reis e contava que a origem das Pastorinhas vem dos quilombos. Atualmente, as participantes se apresentam uniformizadas com a saia branca ou azul e uma camiseta estampada com o rosto de Jesus Cristo – um dos homenageados ao lado de Nossa Senhora.
Casados desde os tempos que a moeda era réis, conheceram-se nos bailes da roça. Dona Idalina contou que engravidou dez vezes, mas apenas quatro filhos vingaram. Essa informação nos fez pensar a respeito da alta mortalidade infantil que atingia as mães daquele tempo. Hoje, o casal tem oito netos e dois bisnetos.


Aos sete anos, seu Jaci fez os primeiro acordes na sanfona e ensaiou os primeiros passos de dança. Ele nos contou sobre o Terço de São Gonçalo. “É um terço dançado, é para frente e para trás, para frente e para trás. Não pode rir e nem chorar, não pode ignorar, tem que haver respeito. O embaixador dança e os outros acompanha”, explicou.
Ouvimos do casal que a Tradicional Festa de Agosto, hoje o principal evento turístico do município, era comemorada de outra maneira. “A gente vinha de carro de boi, trazia quitanda colchão e tudo. Todo mundo que morava na roça passava seis dias aqui na cidade rezando para São Tomé”, recordou.
Seu Jaci finalizou a agradável conversa lembrando a São Thomé de outros tempo. “Aqui era diferente, não tinha luz. Era tudo pedra solta, os sapatos vivia tudo desgastados nas pontas de tanto a gente topar nas pedras”.
Quinta parada – 18h10 – Escritório de seu Tatá


Não podíamos sair de São Thomé sem falarmos sobre o misticismo que paira no ar da cidade. Neste instante fomos instruídos a buscar informações com Oriental Luiz Noronha, mais conhecido como Seu Tatá, um senhor de 70 anos que não aceita ser chamado de ufólogo, mas sabe tudo a respeito de discos voadores.
Nascido em Cruzília, o estudioso veio para São Thomé pesquisar arqueologia e historia há 43 anos. Autodidata com livros publicados, seu Tatá conta a história de que São Thomé foi descoberta por um escravo fugido da Fazenda Campo Alegre chamado João Antão. Este foi se esconder em uma gruta, onde encontrou inscrições e símbolos que pareciam letras e uma imagem de São Thomé. Daí o nome de São Thomé das Letras.
Seu Tatá garante que em São Thomé são vistos constantemente objetos voadores não identificados, inclusive revela que é possível avistá-los tanto durante o dia quanto à noite.
O estudioso finalizou destacando que a economia local não depende das pedreiras, como alguns pensam, mas sim do turismo, que começou na década de 80 com a chegada dos primeiros hippies. Atualmente, segundo seu Tatá, a atividade turística é mais seletiva, ou seja, o município recebe visitantes com maior poder aquisitivo.
A noite de sexta-feira nos reservava alguns percalços na mística São Thomé. Fomos a um barzinho em busca de uma boa música e uma noite agradável. No entanto, fomos surpreendidos com o furto de nossa maquina fotográfica, o que nos desmotivou a fazermos no sábado (como havíamos programado) um encontro com um senhor que trabalhou a vida inteira na extração de pedra.

2 comentários:

Júlio Matuck disse...

Muito Bacana..Aquela ruína onde funcionou a primeira padaria de São Thomé é muito linda!É uma pena que como tantas outras edificações históricas do local não recebem a menor atenção.
Não sei se vocês tem conhecimento..mas na igreja da matriz havia um quadro do Barão de Alfenas do séc XVIII..A última notícia que tive ele se encontrava na USP para restauração.
Muito bom pessoal..Parabéns!

♥ ♥ Dany Lolobrigida ♥ ♥ disse...

Daniela R. Gomes

Eu e minha familia agradecem por resgatar fatos antigos de Sobradinho, pois o mesmo quase que nao aparece na historia de Sao Thome das Letras. Tambem ficamos muito felizes por ter colocado e comentado um trabalho de tijolos artesanais que ainda existe aqui no sul de Minas. Moramos ao lado dela, e que por ventura ela tambem vem a ser nossa. Obrigada pelo espaço proporcionado. Parabéns!!!!