terça-feira, 29 de julho de 2008

Expedição do Patrimônio Vivo – 6º dia – Itumirim (MG) – Circuito Vale Verde e Quedas D’Água


Andressa Iza Gonçalves, Paulo de Morais e Sandra Maura Coelho. Fotos – Sansão Bogarim.
Texto concluído às 23h02.

Mal acordamos e avistamos a Serra do Sofá, que circunda a cidade de Cachoeira Pequena. Não, não estamos nos confundindo. Cachoeira pequena é a tradução da palavra Itumirim do tupi guarani para o português. Mais curioso ainda foi descobrirmos que, nos tempos de arraial, Itumirim era conhecida como Coruja. Com a emancipação, a cidade chegou a se chamar Francisco Salles e depois recebeu a denominação atual. Com 6.500 habitantes, o município conta com dois distritos: Macuco de Minas e Rosário.

Primeira parada – 9h03 – Prefeitura Municipal de Itumirim



Fomos recepcionados de uma forma bastante profissional. Quem nos atendeu foi a futura turismóloga Waldelaine Antônia Domingos, de 21 anos, simpaticíssima itumirense que demonstrou estar aplicando com maestria seus conhecimentos adquiridos no curso que finaliza no fim deste ano. Muito pró-ativa, ela explicou sobre as potencialidades turísticas do município. Falamos do projeto Expedição do Patrimônio Vivo e ela, interessada sugeriu algumas pessoas que poderíamos visitar.

Segunda parada – 10h14 -Casa de Dona Maria Barbosa Barros



Chegamos à casa de Dona Maria Barbosa Barros, 59 anos, atraídos pela curiosidade em conhecer o famoso trabalho com retalhos de algodão. Dona Maria nos recebeu sorridente e já contando: “Eu aprendi tudo com minha mãe, Maria Agostinha da Silva, que costurava e bordava muito bem, desde pequena gostei muito de costurar, costuro desde os 12 anos de idade, aprendi vendo minha mãe fazer e isso foi o que me fez gostar tanto de trabalhos artesanais”.

Ela lembra que, nesta época, morava na cidade de Martinho Campos (MG), onde nasceu, num arraial onde o pai, Raimundo Barbosa da Silva, trabalhava na manutenção da linha férrea. O serviço de ferroviário era bem remunerado, o que garantia uma boa condição para a família, porém não livrava dos trabalhos em casa. A mãe se mudava com o marido e os irmãos todas as vezes em que a Rede Ferroviária transferia seu Raimundo de cidade, entre elas Pompéu, Azurita e Ribeirão Vermelho.

Há 20 anos morando em Itumirim, dona Maria já trabalhou pela comunidade em funções variadas, tais como na catequese, ministra da eucaristia e aula de crochê. Hoje, se esforça para colocar em funcionamento a Associação Ninho da Coruja, com a qual pretende transformar o ofício de costureira em geração de renda para as moradoras da cidade. Segundo dona Maria, o mercado de trabalho local é restrito para as mulheres, e a criação de uma entidade ajudaria a divulgar e vender os produtos fora do município. “É um trabalho muito minucioso, pois uma colcha demora mais ou menos um mês para ficar pronta. São dez pessoas envolvidas no projeto, e isso traz tranqüilidade, levanta a auto-estima dessas mulheres. O trabalho me distrai, e ainda dá pra ganhar um dinheirinho”, comentou.



Comentamos sobre a questão da identidade cultural do município no artesanato que elas produzem. Ela explicou que pretende adotar a coruja como um dos elementos da identidade no artesanato local. Algumas peças já estão sendo montadas com base neste conceito. “É um trabalho bonito e rentável, dá satisfação, desenvolve mente e mãos e a gente conversa bastante”, finalizou.

Terceira parada – 13h38 – Posto de saúde do distrito de Macuco de Minas – Itumirim



Após almoço, saímos da sede do município e seguimos pela estrada que liga até São João Del-Rey. Entramos no distrito de Macuco de Minas, nome que faz referência ao pássaro muito avistado no local, mas extinto na região. Fomos recebidos por integrantes da comissão organizadora da tradicional Festa do Carro de Boi, que no fim de semana passado teve a 22ª edição realizada.

Estavam nos esperando Magali Aparecida da Silva e Lúcio César Boueri. Eles nos contaram que a festa dura um fim de semana e que conta com desfile de carros de boi, concurso de rainha e princesa e um grande número de visitantes. Ficamos sabendo que o carreiro mais novo de Macuco se chama Ailton, de 27 anos, um dos poucos representantes das gerações jovens que ainda se interessa por carrear.

Magali tomou a iniciativa de pegar a Kombi do distrito e nos levou até a casa de seu Miguel Alfeu dos Santos. No caminho, ela nos contou, com empolgação, sobre a festa deste ano. Houve cobertura dos principais canais de televisão, o que ajudou a aumentar o número de visitantes. A preocupação atual, segundo ela, é conquistar a atenção dos mais jovens ao carro de boi para evitar que a tradição se perca. Notamos, portanto, que Magali tem a preocupação – justa, por sinal – de valorizar a cultura local. Ela nos mostrou o outdoor da festa, desenhado por um artista do distrito. “Já me falaram contratar alguém de fora para fazer o outdoor. Mas porque, se aqui a gente tem uma pessoa talentosa?”, questionou. Conversando com ela, vimos que a festa está em boas mãos e tivemos a certeza de que, com pessoas como Magali e os outros organizadores, a tradição será mantida.

Quarta parada – 13h50 – Sítio de seu Miguel Alfeu dos Santos – Itumirim



Nativo de Macuco de Minas, seu Miguel, de 64 anos, é carapina e ferreiro – ofícios que aprendeu com o pai, José Alfeu de Jesus. “Meu pai era mais artista do que eu. Era o melhor carapina da região, pois alguns faziam com madeira verde, mas ele caprichava, fazia com madeira boa. Naquele tempo, os filhos ajudavam o pai no trabalho e aprendiam a trabalhar”, lembra. Ele nos contou que sempre se dedicou à oficina de carpintaria e ferraria de sua casa nos meses de seca, pois no tempo das águas o trabalho era na lavoura.

Com a sensação de estarmos em um museu vivo, seu Miguel nos conduziu pelo rancho onde trabalha, descrevendo com detalhes as ferramentas e utensílios que usa para construir um carro de boi: fole, marreta, bigorna, craveira, enxó, plaina, entre outros. Jacarandá, amoreira, pereira, pau grande são exemplos de madeiras que ele utiliza. Essas espécies eram comuns no meio ambiente, mas já não são mais tão fáceis de encontrar. Além disso, ele nos contou que fica com medo de extrair a madeira da natureza, por causa da lei.



O carapina explicou que é ele quem determina a entonação da cantiga do carro de boi, dependendo da forma como o constrói e das madeiras que utiliza. De acordo com seu Miguel, a madeira tem que ser macia para uma bela cantiga e para evitar que o carro pule muito na estrada. “Carro que não canta não presta”, decretou. Ele conta que reconhece os carros que fez pelo canto, uma vez que cada um tem a sua cantiga própria.


Pai de três filhas, seu Miguel aposta nos genros para conseguir passar o ofício do carapina adiante. O neto também é outra esperança. “Isso não pode acabar. Tem que aprumar. Os mais novos não querem aprender”, disse. Outro sinal dos tempos que o carapina enfrenta é a queda no volume de pedidos. Ele lembra que o pai conseguia vender os carros que construía antes mesmo de terminar o serviço. Hoje, entretanto, não consegue comercializar a produção pelo preço que considera justo.

Quinta parada – 14h37 – Casa do senhor Domingo Alfeu dos Santos



Voltamos para a Kombi e seguimos para a casa de um dos idealizadores da festa do carro de boi, seu Domingos Alfeu dos Santos, irmão de seu Miguel, que completará 75 anos amanhã (30 de julho). “Eu sou o começo da festa. O primeiro passo aqui quem deu fui eu. Eu procurei o padre José, pois nossa comunidade foi toda construída no carro de boi. Ele concordou com a idéia e a festa foi crescendo de ano em ano”, recordou. Segundo seu Domingos, que aprendeu a carrear aos quatro anos, mais de 70 carros já desfilaram pelas ruas do distrito. O número caiu devido ao desinteresse dos mais jovens – “hoje em dia, os meninos não gostam mais de carrear.”

O primeiro boi que seu Domingos comprou veio com o dinheiro da colheita e venda de um alqueire de feijão, quando tinha 15 anos. A partir daí, ele começou a amansar bois para interessados, de onde tirava parte do sustento. “Tenho até diploma de amansação de boi”, gaba-se. Nos despedimos com satisfação e voltamos ao centro de Macuco de Minas, de onde seguimos para conhecer o distrito de Rosário.

Sexta parada – 15h54 – Casa de Dona Antônia Rosa de Assis – Distrito do Rosário – Itumirim



Chegamos na comunidade do Rosário intrigados pela história de devoção e fé por Santo Antônio. Por coincidência, a primeira pessoa que encontramos para contar a história do local foi uma simpática senhora, nascida no dia do Santo, dia 13 de junho - fato que motivou a mãe a batizá-la de Antônia. Hoje com 81 anos, orgulha-se dos 9 filhos, 38 netos e 14 bisnetos. Ela considera que, apesar de não ter estudado, teve uma vida boa, pois aprendeu com os pais os conhecimentos que usou no decorrer da sua vida.

Ela começou a conversa contando sobre a Gruta de Santo Antônio, que hoje é só uma pedra sobre as águas de uma represa. Segundo Dona Antônia, a antiga gruta, que tinha sete portas, abrigava uma imagem de Santo Antônio. Esta foi retirada do local pelos moradores e levada para o Rosário. Diz a lenda que a imagem reaparecia misteriosamente na gruta, o que originou a devoção pelos católicos da região. “Sou muito devota de Santo Antônio. O povo de hoje não tá para devoção. A gente vai na igreja e tem pouquinha gente, mas o bar fica cheio, né? Pode até ir pro bar, mas tem que ir à missa”. Sua religiosidade nos marcou no momento que ela finalizou a prosa dizendo: “ fui casa por 53 anos, nunca discuti com meu marido, graças a Deus não vou levar esse pecado para o céu”.



Encerramos a visita ao Rosário com um cafezinho na praça, tivemos numa rápida conversa com Dona Aparecida Sales, uma senhora de 73 anos, que nos convidou para a Festa do Rosário que acontece em agosto. Nascida no Rosário, lembrou com saudosismo dos tempos em que as famílias vinham para a festa de carro de boi. Com entusiasmo, nos relatou que na festa acontecem leilões, missas, procissões e, claro, os bailes animados.

Nos despedimos de Itumirim com a certeza de que há muito patrimônio a ser valorizado e tranqüilos de que pessoas competentes estão a frente dessa grande missão. Acompanhe amanhã a visita da Expedição do Patrimônio Vivo a Ijaci.

5 comentários:

Unknown disse...

Fabiano Ferreira da Silva
Tenho 20 anos, hoje me resido em São Paulo, pela separação de meus pais quando eu tinha cinco anos de idade, por motivos pessoais eu e um de meus irmãos tivemos que ir morar no Distrito de Itumirim; Macuco de Minas.
Quero dar meus Parabéns aos que se incomodaram em retratar pequenos fatos Históricos sobre como tudo se originou.
Pessoalmente ainda não me encontro satisfeito, pois, sou curioso em saber como a população se dirigiu para Macuco; Como tudo começou?
A expedição foi bem realizada, mais espero que seja apenas um começo, e que se voltem mais vezes para adquirir mais informações a serem postadas.
Acho que vocês deveriam passar um mês, por exemplo, no local e adquirir um pouco de informação e não só um dia um dia é muito pouco.
Em outro ponto de vista lógico, vocês não devem procurar somente aqueles que estão sentados e postados como líderes, pois sim buscar de um a um de família a família várias extrações.
Enfim pra começo esta bom, mais espero de todo meu coração que voltem para passar novas informações, pois pessoa como eu que sonha em chegar a um patamar de vida onde meu nome seja conhecido, fica chato olhar para trás e não saber das origens.
* Gostaria de saber como foi feita a construção da barragem localizada em Macuco de Minas?
* Gostaria de saber sobre a diversidade de raças Humanas de onde o povo saiu como se encontraram, pois negros, brancos e alemães se encontram , como teve a urbanização?
Por enquanto é isso, meus parabéns mais uma vez, e espero que da próxima vocês sejam mais completos.

Obrigado pela a atenção!

E desde já pelas outras vezes de expedição agradeço!!

Abraços! .

Fabiano Ferreira (Naninho).

Paulo Morais disse...

Olá Naninho,

Obrigado pela visita e pelo comentário. Assino embaixo de tudo o que disse. Queria aproveitar para dizer que estes relatos que estão no blog da Viraminas foram feitos no ano passado, em um diagnóstico para um projeto bem mais amplo e profundo de registro do patrimônio cultural imaterial da região. Este projeto está em análise no Ministério da Cultura e estamos aguardando os resultados. Acompanhe sempre o blog da Viraminas. Lembro também que este é um espaço aberto, se quiser pesquisar detalhes da história de Macuco ou qualquer lugar e postar por aqui, sinta-se à vontade, a casa é sua.

Abraço,
Paulo

Unknown disse...

Olá!

Que BOM que TIVE RESPOSTA.

Na medida do possível estarei postando alguns fatos, obrigado pelo espaço. Quero lembrar que também estou divulgando a amigos a estarem fazendo uma visitinha.
Estou na torcida para que o projeto seja aprovado o mais rápido possível.
E lembrando que foi um passo muito grade na extração de histórias para nos jovens sabermos de nossas origens.
Mais uma vez parabéns!
Abraço!
Naninho.

Unknown disse...

Se poder me ajudarem , agradeço!!!

Se não , agradeço tbm , e sei como é difícil saber sobre alguns fatos!!



Enfim:


Quando, como e porque , foi contruída a barragem localizada em MAcuco de Minas MG

Anônimo disse...

Ao visitar o povoado de Rosário, vale a pena procurar por uma lenda viva do lugar, que nos tempos difíceis, onde os recursos médicos eram escassos, dona Amélia Laudelina da Silva, hoje uma das mais velhas personalidades local, foi a primeira enfermeira e uma das primeira professoras. Fez curso de professora na fazenda do Rosário ( com a senhora Helena Antiphof), próximo a Belo horizonte no ano de 1949, deixando sua sua família por um tempo para se dedicar ao conhecimento, tendo base para repassar aos alunos locais. Era a pessoa de confiança do falecido Dr. sebastião, médico de Itumirim, que com a dificuldade de atender a todos das comunidades vizinhas, deixava a cargo de dona Amélia, os pequenos cuidados (curativos), aplicação de injeção, conselhos as mães sobre cuidado com filhos. Mãe de nove filhos, esposa do senhor José Lázaro de Paula, nora do senhor "Chico Cassiano", amigo e conhecido de todos da redondeza. Dona Amélia tem orgulho de ter por tanto tempo servido a todos da comunidade e tem o imenso prazer de contar todas as suas histórias, que não são poucas.