terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Encontro com representantes do Reinado, em Divinópolis

Nesta última sexta-feira (16), estivemos reunidos com representantes do Reinado de Divinópolis, cidade do Centro-Oeste de Minas, para elaborarmos um projeto que aborde a memória desta importante manifestação cultural. As conversas foram agendadas pela funcionária da Secretaria Municipal de Cultura (SEMC) Lenir Castro, uma das principais entusiastas da cultura popular.

Originado da interação entre a cultura dos escravos africanos e a religião católica, o Reinado foi proibido durante anos pela Igreja. A despeito da proibição, que perdurou até a década de 1970, em Divinópolis, a manifestação se manteve viva. Atualmente, são 17 irmandades ativas na comunidade, algumas delas na zona rural. Uma vez por ano, é celebrada a Missa Conga, em homenagem aos reinadeiros, basicamente devotos de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Cada irmandade realiza ainda a sua festa, em louvor aos santos do Reinado. Gilberto Gil e Milton Nascimento são alguns exemplos de pessoas que foram coroados reis congos pelas irmandades locais.

Primeiro encontro - Capela da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, no bairro Espírito Santo.



Lenir nos acompanhou ao nosso primeiro encontro, agendado para a Capela da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, no bairro Espírito Santo. Quem nos aguardava era Maria de Lourdes Teixeira, a "Lourdinha do Reinado", uma das mais fervorosas guardiãs da tradição. Vestida a caráter para a conversa, Lourdinha começou nos contando a origem da fé de seu pai, Vicente Teixeira, em Nossa Senhora do Rosário.

Seu Vicente foi picado por uma cobra urutu, enquanto trabalhava no meio do mato. Veio para a cidade certo de que teria que amputar a perna, tamanha era gravidade do ferimento. Porém, um raizeiro conhecido como Seu Nato tratou de seu Vicente com plantas, e o paciente prometeu a Nossa Senhora do Rosário que, se ficasse curado, dedicaria a vida em prol do Reinado.



Não deu outra. Seu Vicente ficou curado e, a partir daí, surgiu uma impressionante história de devoção. Com o tempo, começou a participar da Festa de Reinado de Carmo do Cajuru. Nessa época, ele já levava Lourdinha para assistir às festividades, pois até então não se permitia a participação das mulheres. Aos nove anos, Lourdinha foi "fantasiada" de menino pelo pai para poder acompanhar o cortejo.

Tempos depois, Vicente se mudou para Divinópolis, onde comprou o terreno para a construção da igreja da Irmandade. "Antes de começar a fazer o alicerce, ele sonhou que construiria uma igreja de sete cantos. Ele começou a construir a igreja que ele sonhou. Quando estava lá em cima da laje, ele sofreu um infarto e morreu. Isso foi há 28 anos", recorda Lourdinha, emocionada. "Meu pai foi uma pessoa muito importante para mim. Ele cumpriu a promessa e morreu trabalhando para Nossa Senhora do Rosário", acrescentou a reinadeira.

Lourdinha emendou lembrando do terço que seu pai ganhou do padre Libério, o frei milagroso nascido na cidade vizinha de Leandro Ferreira. Seu Vicente passou anos rezando para os outros, atendendo pedidos de vizinhos, amigos, parentes e até desconhecidos que ficavam sabendo da sua fé. Em Divinópolis, fundou a guarda do Moçambique Velho, que, na tradição, é responsável por proteger o Reinado.

A reinadeira explica a origem do toque das caixas da guarda de Moçambique. "Os escravos tocavam a caixa para esconder o choro das crianças que nasciam na senzala, por que, se os patrões ouvissem, jogavam as crianças para os porcos comerem", relatou. Daí nasceu a cadência das batidas de Moçambique, a principal guarda do Reinado, segundo Lourdinha.

A guarda de Moçambique é responsável por todo o ritual de fé que envolve as festas de Nossa Senhora do Rosário. Além dela, formam as irmandades os ternos, que são responsáveis por compor e enfeitar. "São a composição do reino", explica Lourdinha. São exemplos o Terno do Vilão, dos Marinheiros, do Catopé, do Penacho. O canto da guarda de Moçambique é mais lento, pois reflete o sofrimento dos negros. Os demais são mais alegres, festivos, pois significam uma homenagem a Nossa Senhora do Rosário.

Para encerrar, Lourdinha brincou dizendo que, às vezes, é mal vista por ser extremamente exigente na hora de respeitar a tradição. "Tem gente erguendo mastro até em cano de PVC. Esta não é a nossa tradição. Reinado é chão, madeira e bandeira. É uma criação de Deus com a fé do homem. Meu sonho é que o Reinado tenha permanência e que a tradição de fé tenha significado para os mais novos", finalizou.

Segundo Encontro - Réplica da Capela de Nossa Senhora do Rosário, ao lado do Mercado Municipal


Nosso segundo encontro com representantes do Reinado aconteceu em frente à réplica da capela original erguida no século XIX em homenagem a Nossa Senhora do Rosário. A edificação original foi destruída por volta de 1950 para dar espaço ao Mercado Municipal (foto). A réplica ficou espremida entre o mercado e a delegacia de Polícia Civil.



Nos encontramos com dois representantes da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do bairro Vila Romana: Vicente Ferreira Andrade e Antônio Sebastião de Souza. Os dois são cunhados e herdaram a tradição dos pais, que nasceram na cidade vizinha de Perdigão. "Meu pai toda vida foi reinadeiro", disse seu Antônio. "O meu também, ele foi capitão da guarda de Moçambique", completou seu Vicente.

Seu Vicente comenta que, de certa forma, muitas irmandades estão permitindo que a tradição se perca, pois costumam misturar as funções da Guarda de Moçambique com as dos ternos. Porém, ele lembra que, nas últimas décadas, aconteceram mudanças na visão da sociedade em relação aos reinadeiros. "Antigamente, era só o povo mais velho que saía no Reinado. Hoje, tem muita criança. Lá em casa tem criança de quatro anos que gosta do Reinado", disse.

Eles lembraram que, antigamente, o Reinado era totalmente rejeitado pela igreja católica, que não reconhecia a tradição como parte da religião. Atualmente, a realização das missas congas representam a abertura que os católicos deram aos reinadeiros. "Hoje a gente considera o Frei Leonardo como um rei congo", disse seu Antônio, em referência ao frei que comanda a já tradicional celebração. "Antes, todo mundo misturava reinado com macumba, achava que era a mesma coisa", recordou.



"A minha vontade é que os mais novos continuem com a tradição", comentou seu Vicente. Ao final da conversa, apareceu Guilherme, um jovem capitão da guarda de Moçambique. Muito religioso, ele comentou que desde os sete anos dança o reinado, como forma de mostrar sua fé em Nossa Senhora do Rosário.

O conhecimento registrado neste dia de descobertas servirá de base para a elaboração de um projeto que, como percebe-se, dará muito pano pra manga. É esperar para ver.

Texto: Andressa Gonçalves e Paulo Morais. Fotos: Paulo Morais.

2 comentários:

klender pedro disse...

A Irmandade São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, em Virtude da comemoração da festa do reinado, que acontecerá no dia 23 de agosto, em Divinópolis-mg no bairro Niterói, onde vocês conversarão com lourdinha do reinado, comunica que é imensa satisfação, que vem orgulhosamente convida-los,

Unknown disse...

Prezados Irmãos,
Salve Maria!
Sou moradora de Brasília,em Outubro, me desloco a cidade de Carmo do Cajuru, cidade vizinha de Divinópolis, para contemplar e participar efetivamente do Reinado de Senhora do Rosário . Pertenço ao Terno de Catopé Caboclo e também estou na expectativa de elaborar um proteto com vistas a divulgar o processo de manutenção e conservação da Cultura afro-brasileira por meio das Congadas. A matéria em questão contribuiu para fundamentar algumas informações já inseridas no projeto.