quinta-feira, 14 de maio de 2009

José Batista da Cunha - Comunidade da Flora - Três Corações (MG)

Eu morava no município de Campanha, mas diz a minha mãe e meu pai que eu vim pra Três Corações com três ou quatro meses. Eu nasci em 17 de julho de 1932, vou fazer 77 anos agora em julho. Meu pai chamava João Batista Cunha, nós era 15 irmãos, agora só tem sete. Morreram seis muito pequenininho. Eu fui o segundo de todos, minha mãe chamava Maria Cândida Correia.

Quando eu nasci, logo meu pai mudou aqui pra Fazenda Santa Emília. Lembro da casinha, era de pau-a-pique, de chão. Varria com vassoura de alecrim, assa-peixe. Colchão pra você dormir era de palha de milho. Mas as coisa era melhor do que hoje.

Meu pai trabalhava em fazenda, era trabalhador de roça. Lá era lavoura de café, plantava um pouco de milho, arroz, feijão. Hoje o pobre não planta mais, só quer saber de café e leite. As coisa antigamente tinha mais vitamina, hoje usa muito adubo. Óleo de fazer comida não existia, era gordura de porco. Eu uso gordura de porco até hoje. Eu como carne de porco, toicinho inclusive, até hoje. Eu não gosto de comida com óleo.

Comecei a trabalhar na roça quando eu tinha oito anos. Oito anos eu já punha a enxadinha no ombro e ia ajudar meu pai a plantar feijão, milho. Batia arroz, carregava água como daqui lá na estação, não tinha água dentro de casa. Carregava feixe de lenha nas costas, mas tinha carro de boi. Às vezes puxava lenha no carro de boi. Catava lenha seca no mato, não cortava verde, catava seca. Agora, hoje não pode cortar um pau mais, diz que tava acabando com as águas. Não pode cortar lenha no mato, principalmente beira d'água. Hoje não pode construir uma casa com menos de 50 metros da beira do rio.

Trabalhei no retiro 34 anos, retiro de leite. Não é igual hoje, hoje vocês pode ir vestido do jeito que ‘cês tá aí que não suja a roupa. Ah, nós levantava cedo, era quatro e meia, cinco horas, já tava de pé. Depois eu passei a mexer com carro de boi, essas coisas. Sete horas, nós ‘tava lá naquela igreja na Cotia, conhece a aquela igreja? É de São Sebastião. A gente tocava o carro de boi aqui, ia por fora, ia no São Bentinho, passava na Abadia, dobrava no Santo Afonso, carregava o carro lá onde é aquela Igreja no Cristo e levava a lenha. Dava cinco viagens por semana, chegava de tarde lá, carregava o carro e pousava na fazenda que nós trabalhava.

* * *

Tem muito barco meu aí na beira do rio. Aprendi a fazer sozinho e Deus. Ninguém nunca me ensinou! O primeiro barco que eu fiz foi aqui na Flora, eu tinha uns 50 anos. Já fiz muita casa, carro de boi, canga, forro de casa de bambu, tudo isso eu fiz. Desde pequeno eu já era inclinado a fazer essas coisas, meu pai nunca me ensinou a pegar numa enxada, aprendi sozinho e Deus. Aparador pra ‘panhar café, não sei se você já viu. Amansar boi de carro, fiz isso muito tempo.

Fazia os barco com tábua de canoa, o bom é maçaranduba ou cedro. Levava três dia pra fazer uma canoa. Já fiz umas quarenta canoa. Já fiz canoa que foi pro rio Grande, fiz canoa que foi pra Varginha, pra Santa Rita do Sapucaí. Tem muita ferramenta que eu uso: formão, serrote, serra elétrica, martelo, enxó. Você conhece Três Corações? Conhece ali no Bonésio? Já comprei muita ferramenta ali: machado, foice, formão, serrote.

Comecei a mexer com coisa de bambu quando eu tinha uns 19, 20 anos. Ninguém me ensinou. Eu tinha dois tio que aprenderam a tocar violino debaixo de um bambuzal. Quando eu comecei a fazer balaio, fazia aquele balainho pra galinha botar ovo. Chegava em casa, pegava aquelas taquarinha e fazia. Aprendi só vendo. Aí comecei a fazer balaio pra mexer com milho. Meu pai fazia aparador e eu também tinha um tio meu que fazia. Eu aprendi só de ver como é que faz. Meu pai falava:

- Hoje você vai com a gente pra fazer balaio.

- Não vou, porque não sei fazer.

- Ninguém nasce sabendo, você vai sim!

Aí foi eu e meu pai pro meio do mato de taquara. Eu não sabia, quando chegou três horas da tarde eu já tinha feito dois sozinho. Eu não pedia explicação, basta querer fazer uma coisa que você faz. Pra isso precisa de facão e foice para cortar a taquara e martelo pra pregar.

Eu morava na Fazenda Santa Marta quando eu casei. Eu tava com 24 anos, a Elvira tava quase que com a mesma idade que eu. Filho nosso é cinco, ela não teve nenhum filho no hospital, era com parteira. Os filho dela nunca chupou mamadeira, nem nada, foi criado no leite dela mesmo. Parteira, tinha uma tal de Bilizara, tinha uma tal de Maria Isadora, tinha essa Hortência. Eu andava dez quilômetro pra buscar a parteira. Tinha que fazer 40 dias de resguardo, a Elvira comia muito era frango, todo dia, 40 dias seguidos.

Faz 52 anos que eu casei. Depois de lá eu vim pra cá, comprei um ranchinho. Faz 34 anos que eu vim pra cá. Aqui eu trabalhei também pros fazendeiros, fazendo serviço. Meu pai já trabalhava como carpinteiro, assentando porta pros outros, fazendo forro de casa pros outros. Eu até hoje, só tive dois patrão na minha vida, o terceiro ‘tá sendo o Lula. Eu trabalhei 18 anos numa fazenda e 21 na outra, na Fazenda Santa Marta e na Fazenda Santa Emília.

Uma coisa que eu fazia e hoje eu não faço mais é amansar cavalo. Nunca caí, graças a Deus. Ih! Já amansei muito cavalo e égua. Dá muito trabalho porque o bicho é bravo. O bicho tem boca é pra comer, pra conseguir colocar um freio na boca do bicho, se você quiser parar ele, você não para. Vai uns três ou quatro meses para entregar o bicho manso. Eu pegava o trem e colocava lá no pasto, laçava o bicho sozinho. É muito difícil amansar um bicho que nunca viu um arreio na vida, nunca viu gente, pra bem dizer.

* * *

Eu trabalhei naquela balsa dez anos. Nem nascido eu era e já tinha essa balsa. Agora quem tá na balsa é meu filho. Primeiramente a balsa era de madeira, tábua. Ela era tocada no bambu, eu cheguei a tocar ela com bambu. Passava até caminhão cheio de lata de leite. O cabo de aço é o mesmo até hoje. O rio não é muito fundo, a parte da lá é mais funda um pouquinho, deve ter uns três metro. No meio do rio é raso.

Já pesquei muitas vezes. Já peguei muito piaba, mandi... dourado eu nunca peguei não. Ah! Antigamente tinha muito mais, ih! Hoje o povo põe armadilha e não pega. Eu não pesco de armadilha, armadilha minha é anzol. A rede acabou com os peixe.

O rio mudou muito, esse negócio de tirar areia estragou bem o rio. Derrubou muito mato na beirada, tirava a areia por baixo. Toda a vida o rio chamou Rio Verde, de agora pra frente a água fica verdinha, acaba as chuvas e a água fica limpa.

A Festa de São Pedro é muito animada, é festa junina. Antigamente, na Festa de São Pedro, a procissão descia de canoa lá de cima soltando foguete. Era umas dez canoa que descia, tudo iluminada, enfeitada. Era no dia de São Pedro, dia 29. Era 3 pessoas em cada canoa. Os barco descia lá de cima, na curva do rio, e vinha até aqui na balsa. O padre pegava o santo aqui. Demorava meia hora até aqui. Agora, aqui pra baixo tem uma cachoeira, tem correnteza, já não dá pra descer de canoa, tem muita pedra, ali é perigoso da canoa virar e pra subir ali não é qualquer um.

As draga tirava o areia da beira do rio, ia cavucando por baixo, era quando as árvores da beira caía. Hoje a florestal não deixa mais ‘cê cortar um pau na beira do rio. Se o cara da florestal encontrar qualquer um de nós no caminho com uma enxada na carcunda, um facão e um cachorrinho, vai preso. De primeiro não, o caboco caçava, carregava enxadão, era aquela cachorrada. Já faz muito tempo que eu não nado no rio, já nadei muito, pra quem sabe nadar não é perigoso não. A água é pra quem sabe. Quem não sabe, tá arriscando a vida.

Assombração tem nada disso não, a assombração acabou morrendo de medo. Bicho tem: cobra, tamanduá, lobo... tem uma fazenda aqui que num dia mataram 16 cascavel.

Quando eu morava lá embaixo, antes de eu vir pra cá, nós viu um nego d'água. Era pequenininho assim, nós vimo ele. Também foi uma vez só, depois nunca mais vi. Parece uma criancinha pequena, novinha, mas pretinha. Ele apontou assim, viu por cima da água e afundou. Ele mora dentro d'água. Se pegar uma pessoa ele afunda com ela, leva pro fundo do rio, ele mata a pessoa afogada. Isso era de dia, tinha um homem que morava numa casinha, chamado seu Afonso, nós tava na porta da cozinha da casa dele. A casa dele é um ranchinho, ele morava sozinho, na beiradinha do rio. Aí nós tava sentado lá e quando vê a gente ouve um gritinho lá no meio do rio, quando nós viu ele tava em pezinho lá, aquela coisa pretinha, deu aquele gritinho e tchum! E não vi mais. Mas que tem, tem!

* * *

Já trabalhei aqui no laticínio. Antigamente eu fazia queijo minas, mussarela, queijo prato. A gente já talhava o queijo com o coalho. Minha avó fazia queijo com o bucho do tatu. Matava o tatu, tirava o buchinho dele e enchia de sal, pegava um pedacinho e colocava no leite para talhar e fazia o queijo. Os queijos de primeira era mais gostoso do que hoje. O leite era melhor, não era de gado que vivia na cocheira, o gado vivia no pasto. Hoje não, as vacas não dão leite de pasto, as vaca tudo ‘tão dando leite no curral, porque são criada na cocheira. O leite era um creme, você punha o leite numa garrafa, dava duas horas, você virava a garrafa e o leite não saia. Hoje, o leite é fraco. Minha avó punha o leite na cabaça com goiabada. Aquele leite era um creme!

Hoje ainda passa trem, mas só trem de carga. Faz dias que eu não vejo passar um trem aqui. Eu já fui a Aparecida umas sete, oito vezes de trem. A estação acabou tudo, ‘tá só uns pilar. Aqui era parada de trem de passageiro. Quando nós ia pra Aparecida de trem, nós embarcava lá em Três Corações, ia até Cruzeiro, de lá fazia baldeação e ia até Aparecida. Aqui passava o Almofadinha, tinha o Expresso, tinha o trem do meio-dia, e tinha um trem que passava às duas da tarde, acho. O das seis horas da manhã era Expresso, que ia cedo pra lá e voltava de noite. O Almofadinha era às sete horas, tinha esse nome por que os banco tinha as almofada. Os outros trens grandes tinha os bancos de madeira. Se você quisesse pagar mais caro ia no carro de primeira, aí os bancos era tudo confortável, tudo forrado, tudo branquinho. Nós ia pra Aparecida no carro de primeira porque a viagem era grande. Nós gastava o dia inteiro, era o dia inteirinho pra chegar em Aparecida. Passava no túnel, era o lugar mais feio que existia na serra, tinha que fechar os vidro tudo, levava uns 40 minutos, passava dentro do chão, lá na serra... uai tá doido! De lá pra cá, demorava mais do que daqui pra lá, daqui pra lá era um pouco de descida.

O padroeiro da igreja daqui é São Sebastião. Toda semana tem missa, reformou a igreja faz pouco tempo. Ah, Nossa Senhora! Na enchente de 2000, a água tapou esse muro. Sobrou sete casa aqui na Flora que não pegou água. Meu filho andou de canoa aqui dentro, derrubou esse muro. Em 86 teve uma enchente, mas nessa a água veio aqui na porta da cozinha, não chegou a entrar pra dentro. Tinha uma escadinha na porta da cozinha, eu acendi uma vela ali era seis horas da tarde. A água tava pegando na beira da escada, eu acendi uma vela e deixei ali. Levantei umas cinco vezes, vinha cá e olhava... Você sabe que a água não passou da vela? Tenho muita fé com Nossa Senhora, graças a Deus todo mundo aqui em casa é devoto. Quando você vê alguma coisa ruim é a primeira santa que você grita. Aqui toda semana nós reza o terço em uma casa, semana passada rezou aqui em casa, toda quarta. Toda casa que vai rezar dá aquele café, pão de queijo, bolo, broa, enche de gente. Mas é mais mulher, homem não é muito não.

Uma coisa eu falo para você, hoje ‘tá danado pra viver. A rapaziada hoje não quer saber de serviço. Não tem mais o respeito que a gente tinha com os nossos pais. Aqui em casa não, que meus filhos tão tudo aí criado. De primeiro se um pai e uma mãe tivesse conversando e o filho falasse alguma coisa, o pai só dava uma olhada assim e acabou. Hoje a maioria dos filhos não respeita pai e nem mãe. De primeiro o filho comia o que o pai e mãe dava, hoje não, ele que mandar na mãe, quer mandar no pai. Eu tenho 77 anos, meu pai nunca me deu um puxão de orelha, ele morreu com 84 anos e nunca me deu um puxão de orelha.


1 comentários:

Anônimo disse...

A Flora é um lugarzinho gostoso tranquilo
o povo de la são pessoas amigas e hospitaleiras que reebe bem seus visitantes...*-*-*-*-*-*

Letícia