terça-feira, 25 de agosto de 2009

Brasil Memória em Rede reúne iniciativas no 3º Fórum; audiovisual é o xodó dos participantes

Estivemos na última semana em São Paulo para participar do 3º Fórum Brasil Memória em Rede. Trata-se de uma iniciativa do Museu da Pessoa, criada para agregar projetos de registro de histórias de vida pelo Brasil afora. A ideia surgiu a partir de um grande seminário que resultou no livro História falada: memória, rede e mudança social e reuniu diversos especialistas na temática da memória, tanto brasileiros quanto estrangeiros, vindos do poder público, de universidades e movimentos sociais. Dali surgiu a proposta de reunir entidades que desenvolvem projetos em uma única rede, que hoje é um Pontão de Cultura, integrante do programa Cultura Viva, do MinC.

Cabe destacar inicialmente a organização do evento. A secretaria executiva da rede, ligada ao Museu da Pessoa, disponibilizou hospedagem e transporte para os participantes, o que facilitou em muito nossa ida ao Fórum e permitiu que organizações de todo o País (do Rio Grande do Sul ao Amapá) pudessem estar presentes. Isso garantiu a diversidade de iniciativas, ideias e sotaques que dinamizaram o encontro no Sesc da Vila Mariana. Aliás, a estrutura do Sesc facilitou a realização dos trabalhos, embora implicou também uma rigidez absoluta no cumprimento dos horários, travando algumas discussões que começavam a ganhar contornos quando tínhamos de desocupar as salas. Faz parte.

O encontro foi aberto com a fala do Secretário de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura, Célio Turino. Ele fez uma leitura do livro que está escrevendo, o qual encontra-se em fase final de edição. A obra, entitulada O Brasil de baixo para cima, vai tratar da empreitada de implantação dos Pontos de Cultura, umas das prioridades do MinC nos dois atuais mandatos do governo Lula. Célio comentou a tentativa do ministério de dar uma "embaralhada" no jogo de forças políticas que disputam o controle da cultura no Brasil, embora reconheça que o Estado foi montado sob o comando de forças reacionárias que o estrururaram como mecanismo de manutenção do poderio político das elites. Citou ainda a Conferência Nacional de Comunicação, prevista para dezembro, e a diferença entre mídias livres, que pensam a comunicçaão como direito humano, e a mídia-mercadoria, que trabalha a informação como produto comercial.

Quem também conversou com os presentes foi a museóloga Maria Célia Santos, da Universidade Federal da Bahia, que encabeça o movimento de musealização de espaços no Brasil. A professora ilustrou a discussão com trabalhos realizados em escolas públicas baianas. Ela lembrou o tripé da museologia: preservação, pesquisa e comunicação do patrimônio cultural. A partir dele, discursou sobre a possibilidade de pensarmos espaços urbanos sob a perspectiva museológica, o que deixou bem claro o papel central da museologia como formadora de senso crítico sobre a realidade dos projetos de memória.

Nos momentos que se seguiram, o Fórum foi regido pelas atividade auto-gestionadas, propostas pelos integrantes da rede. O pólo de Santa Maria (RS), representado pelo Museu Treze de Maio, apresentou a pesquisa sobre clubes sociais negros. Estes clubes eram formados por elites negras do Brasil, com destaque para profissionais da antiga rede ferroviária, que não tinham acesso aos clubes sociais dos brancos no início do século passado. Mais do que um espaço de socialização, onde aconteciam festas, bailes e jogos, as agremiações eram um espaço de resistência da cultura negra frente ao preconceito e à exclusão.

Outra iniciativa interessante foi apresentada pelo CPDOC do bairro São Miguel Paulista, de São Paulo. Por iniciativas de adolescentes que fazem oficinas de vídeo na organização, foram filmados depoimentos de moradores da comunidade em uma casa de pau-a-pique decorada com "artigos de época": fogão de lenha, rádio a válvula, rede de dormir, etc. Como o bairro é formado em sua maioria por imigrantes nordestinos, vários visitantes se identificaram com o cenário e começaram a se lembrar da infância. O acaso incentivou os jovens a gravarem estes depoimentos, que tranformaram neste vídeo:




Em seguida, quem apresentou seu trabalho com vídeo foi o pessoal de Londrina (PR), dentro do projeto Roda Memória, da ONG AlmA Brasil. Eles são um grupo de quatro simpáticos jornalistas que captaram adolescentes em escolas públicas para filmarem a memória de um dos bairros do centro histórico da cidade. A edição ficou bacana, com alguns trechos que emocionam e outros que arracam risadas. Um pedaço do vídeo também pode ser acompanhado abaixo:




No fim do primeiro dia, a descontração ficou por conta do grupo Cupuaçu, que trouxe brincadeiras de roda tradicionais de vários cantos do Brasil. Quem chegasse ao Sesc naquele horário e desse de cara com aquele bando de desengonçados dançando, pulando e engantinhando sem dúvida acharia muito engraçado. E foi mesmo. O projeto chamou a atenção pela diferença em relação ao que tinha visto até então no fórum: enquanto houve uma predominância do vídeo como ferramenta de registro e difusão, o grupo Cupuaçu me pareceu preocupado em transmitir uma expressão da cultura oral brasileira pela própria oralidade, sem artifícios tecnológicos. Quebrou a rotina.

No 2º dia, a primeira atividade que participei foi ministrada pelo polo mineiro da rede, gerenciado pela Sociedade de Amigos das Bibliotecas Comunitárias (Sabic), à qual é ligada a Associação Imagem Comunitária (AIC). O mais bacana foi que, desta vez, os próprios beneficiados pela iniciativa discursaram para a rede. Dona Vera, por exemplo, emocionou os presentes ao relembrar as dificuldades que enfrentou para montar a creche que comanda voluntariamente na região do Barreiro. O trabalho do polo inclui rádio, em parceria com a UFMG, blogs e vídeo, mostrando a diversidade de propostas. Eles estão coletando memórias dentro do projeto Um Milhão de Histórias de Vida, do Museu da Pessoa.

Por fim, acompanhei ainda na manhã de quinta os trabalhos do polo regional de Santa Catarina. Mais uma vez, foi apresentado o trabalho de envolvimento de jovens com o vídeo, resultado no registro da memória da cidade de Itajaí. O projeto foi desenvolvido por dois profissionais super bacanas, que envolveram as escolas públicas na empreitada.

Um questionamento não saía da minha cabeça a cada apresentação que acompanhei. Perguntei para os diversos participantes se eles usavam software livre em suas produções. O motivo da dúvida é que estamos iniciando os trabalhos do nosso Ponto de Cultura em Três Corações e o tema do software tem que estar presente nas discussões quando se trata de produção cultural voluntária e/ou comunitária. A resposta não foi novidade: nenhum dos projetos apresentados migrou para os programas livres. A dificuldade em se adaptar às ferramentas de código aberto, como o Cinelerra, por exemplo, foram relatadas. Eis um desafio que tem que ser pensado para o futuro, pois há um esforço intenso em se pensar a produção cultural com ferramentas livres, mas que ainda não conseguiu atingir a ponta. Uma das carências apontadas é a necessidade de um grupo de trabalho profissional, remunerado, com dedicação exclusiva ao desenvolvimento de programas livres de produção: editores de áudio e vídeo, codecs, manuais, tutoriais, etc.

A participação no fórum rendeu boas perspectivas. Pudemos acompanhar um pouco do crescimento desta rede e observar de modo crítico o que tem sido pensado em termos de memória no Brasil. As novas tecnologias estão definitivamente dialogando com as histórias locais, e ficou visível o quanto o vídeo é o xodó dos profissionais que desenvolvem esses trabalhos. A rede está se estruturando da maneira como se pensa a articulação dos movimentos sociais hoje em dia: de forma aberta, horizontal e plural. Foi interessante compartilhar presencialmente esta iniciativa. A certeza é de que as pessoas que dedicam suas vidas à memória Brasil afora ainda vão ouvir falar muito da rede, que cresce pelos projetos de cada um.

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