Só o fato de estar se preocupando com o patrimônio imaterial, a ponto de realizar um encontro específico para o tema, já mostra o quanto a secretaria de cultura está antenada com o que vem acontecendo. O patrimônio histórico não se resume apenas a igrejas e casarões antigos. Também está expresso nas festas populares, nos costumes tradicionais, na memória oral, nos saberes e fazeres da gente. Existem diversas recomendações, tanto no plano internacional, quanto nas instâncias nacionais e estaduais, para que as comunidades reconheçam a importância do patrimônio imaterial. No entanto, esta visão ainda é recente, e boa parte dos municípios não têm legislação de proteção específica, resumindo-se apenas nos tombamentos de obras e monumentos.
É importante começar a virar esse jogo. Quando uma comunidade registra um bem como patrimônio imaterial, não está apenas entregando um título a um grupo de pessoas. Está se compromentendo a formatar um plano de salvaguarda, em que determina um conjunto de ações para garantir as condições sociais, ambientais, econômicas, materiais e até políticas para que aquela manifestação perdure e não caia no esquecimento. O Queijo do Serro é um exemplo de patrimônio imaterial brasileiro, o único de Minas com tal qualificação. A partir do registro, a comunidade local vem se organizando e preparando diversas atividades, inclusive com a implantação de um Museu do Queijo na cidade.
O seminário começou com a fala da professora Batistina Corgozinho, da Uemg, sobre a tradicional Festa de Santa Cruz nas comunidades rurais da cidade. O relato tratou de enaltecer a espontaneidade da festa, que acontece todos os anos sem a necessidade de espetacularizações ou de apoio do poder público. A arte dos enfeites da festa foram expostos: um trabalho minucioso em papéis coloridos, que adornam as estradas da comunidade onde as festividades acontecem.
O professor Guilherme Leonel relatou a pesquisa que vem desenvolvendo em torno da proibição das festividades do Reinado pela Igreja Católica. O Reinado é uma das mais tradicionais manifestações da cidade e, durante anos, resistiu ao autoritarismo dos padres e bispos. Vários documentos foram mostrados, entre cartas e jornais das décadas de 1920 a 1970. Apesar dos vários pedidos eclesiásticos, houve casos em delegados da cidade não proibiram as festividades em espaços públicos, visto que a proibição não estava descrita em nenhuma lei. Hoje, o Reinado é reconhecido pela Igreja, e todos os anos é celebrada pelo Frei Leonardo a missa conga na Igreja do Santuário, no centro da cidade.
Em seguida, a historiadora Vanessa Gonçalves apresentou uma fala mais didática sobre o patrimônio imaterial. Esclareceu conceitos, falou de legislações pertinentes ao tema e introduziu um exemplo de plano de salvaguarda a partir de técnicas tradicionais de bordado. Foi uma bela aula de como iniciar um processo de registro de patrimônio intangível.
Entramos, depois, na odisséia de Luminárias. Contamos como foi o trabalho de publicação de um livro de memória oral na cidade, o qual vocês podem baixar em PDF clicando na capa ao lado. O trabalho na cidade sul-mineira deu origem à Viraminas e ao movimento que vem conscientizando as comunidades sobre a importância da cultura como fator de desenvolvimento.
Por fim, à tarde, as falas Evelyn Miniconi e Vânia Sufia Madureira, do Iepha, esclareceram as novas determinações do Iepha sobre o ICMS Cultural. Trata-se de uma política de repasse de arrecadação do Governo de Minas para as prefeituras, com base em inventários enviados anualmente pelos municípios ao Instituto. Os analistas avaliam as políticas municipais a partir de critérios pré-estabelecidos e determinam uma pontuação anual, que se converte em recursos destinados à manutenção do patrimônio destas cidades.
A partir deste ano, o patrimônio imaterial ganhou mais destaque nas avaliações do Iepha. Vânia relatou preocupação com as constantes mudanças nos gestores de patrimônio cultural dos municípios, que acontecem a cada eleição. A cada novo prefeito que assume, outros servidores assumem a gestão cultural, sendo muitas vezes despreparados para tal atuação. Raramente, as cidades têm gestores concursados. Como os inventários anuais são um processo contínuo de reconhecimento e valorização dos patrimônios, estas mudanças interrompem evoluções e o resultado são perdas significativas tanto na pontuação quanto nas políticas públicas das cidades.
É comum que empresas de consultoria facilitem esses processos de inventário para prefeituras. Criou-se um enorme mercado do ICMS Cultural no interior. Isso gerou um fator positivo, na medida em que os consultores colaboraram para disseminar as metodologias. Por outro lado, dificultam o enraizamento dos processos nas comunidades, uma vez que os consultores passam pelas cidades mas não estabelecem vínculos mais profundos com a discussão das políticas públicas.
Diante disso, o Iepha vem tomando medidas para incentivar os municípios a terem atividades constantes no que diz respeito à cultura e à memória. Uma avaliação mais criteriosa da atividade dos Conselhos de Patrimônio Histórico e a pontuação para a participação nas Jornadas Mineiras do Patrimônio Cultural, que acontecerão anualmente nos meses de setembro, são algumas novidades que devem incentivar as prefeituras a trabalharem para além da simples publicação de inventários.
A gente precisa reconhecer que as medidas são interessantes. Por vezes, em atividades da ONG, acompanhamos os consultores na elaboração de inventários. Os trabalhos são bem feitos, mas são encarados pelas prefeituras apenas como um processo burocrático visando aumentar a arrecadação. Nem sempre o inventário resulta na discussão e implantação de políticas públicas inovadoras e eficazes na proteção e promoção do patrimônio cultural. Os conselhos de patrimônio histórico são, em muitos casos, apenas carimbadores das vontades dos secretários de cultura, e não se consolidam como espaços de discussão e aprimoramento das atividades voltadas ao patrimônio, o que, convenhamos, é uma pena.
1 comentários:
Adoro discutir esse tema pois é bem próximo da minha realidade aqui na cidade do Serro. O título do Queijo do Serro como patrimônio imaterial NÃO PODE E NEM DEVE ser só um título...na verdade, percebo cada vez mais que é a comunidade que deve reconhecer e valorizar um bem imaterial. Após anos morando e trabalhando com o Queijo do Serro acredito que o trabalho deve ser conjunto, ou seja, TODOS são responsáveis e devem se apropriar do bem imaterial sempre visando resguardar a tradição efetiva do mesmo..
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