segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Memórias Arquitetônicas de Três Corações


Álvaro Jatobá

Arquitetura e história estão intimamente ligadas, sendo arquitetura o reflexo das características socioculturais de um lugar, em uma determinada época. Cidades mineiras como Ouro Preto, Tiradentes e Diamantina utilizam este aspecto histórico-arquitetônico preservado em benefício do turismo e da cultura, revertendo em renda e qualidade de vida para a própria cidade.

A arquitetura histórica em Três Corações vem sofrendo constantes perdas, retrato da desvalorização dos aspectos históricos e da supervalorização de materiais e formas contemporâneas, o que tem levado a uma descaracterização da identidade cultural da cidade.

Esta história escrita com tijolos e argamassa não está resguardada nem mesmo quando protegida por lei ou por tombamento, pois seus proprietários, na maioria das vezes, não veem com bons olhos tais iniciativas, vendo como empecilho para venda, reformas ou demolições, o que faz em muitos casos com que o imóvel perca valor.

Esta realidade é fato em Três Corações onde, em sua maioria, nem as autoridades, nem a população enxergam a importância estética, histórica ou econômica em tais edificações, o que tem levado a cidade a consumir sua arquitetura histórica presente principalmente no centro, em troca de estacionamentos ou novas edificações e tipologias de duvidoso valor.

As descaracterizações por reformas, pinturas e mais constantes, os letreiros comerciais que desrespeitam os detalhes arquitetônicos, prezando apenas por anúncios cada vez maiores e berrantes, são alguns fatores comuns de ameaça ao patrimônio. Estas atitudes geram grande poluição visual, prejudicando a ambiência urbana que poderia ser de agradável convívio se devidamente valorizada.

O abandono, a desvalorização, o desrespeito e o desconhecimento sobre o potencial da arquitetura histórica, vêm descaracterizando a identidade cultural presente nestas edificações, bem como de seu conjunto, o que representa uma perda sem retorno a um aspecto rico em cultura e história. Um reflexo deste desprezo é a escassez de espaços particulares ou públicos de comércio, serviços, cultura ou lazer que proporcionem e valorizem uma integração com a arquitetura histórica.

Outro fator que normalmente não é levado em consideração ou mencionado é que a preservação de um prédio histórico é também uma atitude ecológica, pois a construção de um prédio novo gasta muito mais recursos naturais do que a recuperação de um já existente, além da grande quantidade de entulho gerada com a sua demolição, que normalmente vai para terrenos vazios, proliferando vetores de doenças na cidade.

A substituição das casas antigas, normalmente construídas com mais preciosismo, sendo mais resistentes ao tempo quando bem conservadas, vem privilegiando as leis do comércio, dos descartáveis, dos modismos passageiros e prejudica a coesão e a consolidação cultural. O esquecimento da história de um povo gera o empobrecimento cultural, e sem cultura, a população é facilmente manipulada, pois não tem raízes, não tem base consolidada.

O Conselho de Patrimônio Histórico e Cultural de Três Corações (CONPAHC-TC) vem motivando e focando neste sentido, devido ao reconhecimento que a arquitetura histórica na cidade tem real potencial cultural e vem sendo degradada constantemente, o que determina a urgência de ações que estimulem a preservação do patrimônio histórico da cidade.

Em paralelo ao CONPAHC-TC, foi criado um grupo de estudos, aberto a participação de todos os interessados, sobre o Patrimônio Histórico e Cultural de Três Corações, que vem se reunindo uma vez por semana, aprofundando nas questões patrimoniais e auxiliando em projetos e apresentações sobre o tema.

Um imóvel protegido por lei de tombamento deveria ter seu valor comercial aumentado, pois o tombamento é o reconhecimento do seu valor histórico-cultural, trazendo com isso direitos e deveres. O tombamento não quer dizer que nada mais poderá ser feito com aquela edificação. É permitida sua venda, aluguel, reforma ou mudança de uso. Porém deverá existir um maior cuidado nestas ações, evitando assim sua descaracterização.

Não se propõe com estas ações uma estagnação nos estilos passados ou uma parada no tempo, mas sim que os materiais e estilos, contemporâneos e antigos, se fundam e se misturem, porém com as devidas prevenções estéticas, coexistindo em consonância, em harmonia entre o novo e o antigo, com equilíbrio ambiental, com sua identidade cultural viva, resultando assim a melhoria da qualidade de vida da população desta cidade.

Álvaro Jatobá é arquiteto e ambientalista, membro do Conselho de Patrimônio Histórico e Cultural de Três Corações e sócio da Viraminas Associação Cultural.

3 comentários:

Mônica Furtado disse...

é isso aí Álvaro, mandou bem,disse tudo!!!

Gilberto Lemes disse...

Gostaria de saber se nesta Igreja existe alguma cripta ou similar onde,por acaso, repousam os restos mortais dos fundadores, entre eles Thomé Martins da Costa e seu sobrinho Thomé Martins Ribeiro,o segundo por acaso meu 6º-avô.

Caynã do Prado Viana disse...

Realmente Álvaro!Muito bom o texto!A arquitetura, de fato, diz muito sobre o local em que se encontra: os anseios da sociedade da época da edificação, crenças, medos, cultura, até mesmo a questão ideológica. Muito bom!Parabéns pelo texto Álvaro!E parabéns para a Viraminas!Abraço!