quarta-feira, 23 de junho de 2010

Em Betim, Santa Izabel está mais para bairro do que ex-colônia

Betim fechou, na semana passada, a última da série de visitas do projeto Museu da Oralidade às antigas colônias de hanseníase de Minas Gerais. Diferentemente de Padre Damião (Ubá), São Francisco de Assis (Bambuí) e Santa Fé (Três Corações), Santa Izabel pode ser considerada realmente uma ex-colônia, pelo menos no que diz respeito ao isolamento. Talvez por estar na região metropolitana de Belo Horizonte, onde a população cresceu bastante nas últimas décadas, a Casa de Saúde não se encontra mais na zona rural. Em acordo entre o governo de Minas, a prefeitura da cidade e os moradores, o local foi urbanizado, as cancelas foram banidas e o que se encontra ali está mais para um bairro.


Mercearias, bares, lojas de roupas, escolas, praças, tudo ali tem mais cara de cidade do que nas outras ex-colônias. Nem por isso, deixa de fazer parte da paisagem local as ruínas dos antigos pavilhões (acima), que no contexto mais urbanizado ficam até bonitas de se ver. Outro espaço interessante é antigo cinema (abaixo), com fachada restaurada. Todas as ex-colônias tinham cinemas, cujos prédios atualmente abrigam espaços para seminários e palestras comandados pela Fundação Hospitalar (Fhemig).


Dentre outras diferenças em relação às ex-colônias, Santa Izabel tem um belo memorial, montado pelos moradores locais. Essa mobilização em prol da memória pode ser atribuída à grande politização dos ex-hansenianos e descendentes, que se deve à presença marcante do Movimento de Reinserção das Pessoas Antingidas pela Hanseníase (Morhan). Peças de tratamento médico, fotografias de jogos de futebol dos pacientes, instrumentos musicais, peças de vestuário e muitas fichas de internação fazem parte do belo memorial (abaixo).

Mas nada em Santa Izabel é tão impressionante como a obra do artista Luiz Carlos de Souza, mais conhecido como Veganin. Nascido em 1950, ele se mudou para Santa Izabel aos vinte anos. Para a igreja local, criou a via sacra em óleo sobre tela. Mas não se trata de uma via sacra comum, no estilo padronizado do catolicismo. Veganin fez uma releitura da paixão de Cristo, misturando simbologias contemporâneas com personagens de histórias em quadrinhos e filmes de hollywood. Turma da Mônica, Darth Vader, gladiadores romanos e ditadores soviéticos aparecem nas telas. A riqueza de detalhes é impressionante. É possível analisar cada quadro por horas, observando as minúcias e interpretando a criatividade do pintor.


Em se tratando da oficina de registro da oralidade propriamente dita, a diferença entre Santa Izabel e as demais colônias se dá na grande participação dos moradores dentro da comissão de memória local. Reflexo também da presença do movimento social dos hansenianos, a presença de moradores na oficina acabou despertando uma outra reação diante da proposta de se fazer um mutirão de histórias de vida na colônia. Enquanto em Ubá e Bambuí a conversa se fixou nos meandros da metodologia do Museu da Oralidade, em Betim, se houvesse ali um gravador, talvez o projeto já estivesse pronto.

É que, por muitas vezes, as lembranças dos moradores afloraram enquanto contávamos sobre a experiência piloto em Três Corações. Uma das histórias que marcou foi a lembrança de quando o Estado ofereceu para os hansenianos a possibilidade de acabar com a divisão entre cidade e colônia, derrubando as cancelas de segurança. Os moradores aceitaram a ideia, que trouxe conquistas e outros desafios. O primeiro deles: o que fazer com a liberdade? Os colonos foram acostumados a viver sob a repressão e a tutela do Estado e tiveram que aprender a dialogar ao invés de apenas dizer "sim, senhor".



Comenta-se muito que, embora à primeira vista Santa Izabel seja um caso de sucesso na reintegração das colônias, ainda há problemas graves em toda a trajetória de urbanização. A violência é o maior deles, segundo se comenta. No entanto, isso não é exclusividade, se levado em conta o que se fala nas outras ex-colônias. O que aconteceu em Betim nas últimas décadas deve ser levado positivamente em consideração. É a colônia que melhor soube se integrar à cidade. Enquanto isso, nas colônias de fora da região metropolitana, parece que o problema da ocupação desordenada continuará sendo empurrado com a barriga, até que os últimos ex-hansenianos não estejam mais por aí.

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