quarta-feira, 21 de abril de 2010

E a novela continua



Esta semana termino a leitura de "Ponto de Cultura - O Brasil de Baixo para Cima", do ex-secretário de Cidadania Cultural do MinC Célio Turino. Ainda publicarei uma resenha específica sobre o livro. Mas já dá para adiantar que a obra traz uma série de memórias do criador e gestor do programa Cultura Viva, uma das prioridades da área cultural no governo Lula, a partir de relações pessoais e políticas estabelecidas desde a década de 80, quando Turino foi secretário de governo em Campinas.

Uma das partes do livro que li com mais interesse são as reflexões de Turino acerca da burocracia estatal que emperra assinaturas de convênios, avaliações de prestação de contas e repasse de convênios. Não porque eu quisesse. Acontece que as palavras de Célio resumem a apreensão que todos os 100 Pontos de Cultura de Minas Gerais aprovados em 2009 estão sofrendo nos últimos 10 meses, desde quando foi divulgado o resultado do edital.

Cabe uma explicação: os Pontos de Cultura são selecionados pelo governo por meio de edital. São avaliadas as propostas de trabalho, histórico de atividades culturais desenvolvidas e portfolio das associações que desejam se conveniar. Não há um foco definido: existem pontos de teatro, música, memória, audiovisual, capoeira, hip hop.Com a aprovação, as associações ou fundações abrem uma conta bancária em que recebem (ou deveriam receber) três parcelas anuais de R$ 60 mil para desenvolvimento do plano de trabalho aprovado.

A promessa do Governo de Minas, responsável pela gestão dos convênios, era de que o depósito da primeira parcela do edital 2009 seria depositado ainda ano passado, como mostra esta notícia oficial da Secretaria de Estado da Cultura (SEC). No entanto, desde a aprovação, foi necessária uma série de readequações nas planilhas de cada projeto para que estivessem em condições de assinar o convênio. Nesse ponto, a SEC sempre afirmou que o problema estava nas planilhas, ou seja, nas associações, e jamais assumiu problemas internos, como a falta de pessoal qualificado para dar agilidade aos processos.

Pois bem, 2009 acabou e a promessa de convênio foi novamente postergada. Desta vez, um comunicado enviado a todas as associações que tiveram projetos aprovados marcou nova data: abril de 2010. O motivo do adiamento continuou sendo a readequação das planilhas. Faltam, portanto, 9 dias para que os 100 pontos sejam conveniados. Tudo leva a crer, no entanto, que o prazo será novamente descumprido. É engraçado pensar que um órgão público lance prazos a si próprio e não consiga cumprir. Será que não dava para prever antes que alguma coisa sairia errado?

Diante de tanta promessa não cumprida, as associações que tiveram projetos aprovados no edital resolveram reagir. Procuramos a imprensa e o jornal O Tempo publicou a matéria aqui reproduzida. O novo secretário de cultura, Washington Mello, disse que vai se pronunciar amanhã e a resposta deverá ser novamente alvo de reportagem, nesta sexta-feira. Com a imprensa cobrindo o caso, fica mais difícil empurrar com a barriga o problema. Agora, a SEC terá que se pronunciar: afinal de contas, a verba sai ou não sai? A resposta a esta pergunta tem sido adiada seguidamente desde o início do ano.


O lado bom dessa história? Tem sim. Ter um projeto aprovado no edital de Pontos de Cultura traz algumas vantagens. Como também ressaltou Célio Turino em seu livro, o recurso não é tanto: R$ 60 mil por ano equivale a R$ 5 mil por mês. Mas o que mais conta nessa novela toda é o processo que o Ponto de Cultura desencadeia. A partir dele, participamos de encontros com outras entidades, conhecemos realidades distintas. O Ponto de Cultura não é apenas uma política de financiamento, é um incentivo à formação de redes, à educação para a cultura, à organização do movimento cultural.

2 comentários:

Unknown disse...

Olá VIRAMINAS!!
PARABÉNS PAULO!!!
Adorei muito e achei ótimo o título: E a novela continua... Afinal, acredito que a ineficiência do Estado no repasse de recursos é realmente uma realidade lamentável. No meu caso (aguardando a liberação de recursos a 2 anos e 7 meses) para Criação e Implantação do Salão do Queijo - Espaço Museu Rural e Multiuso no município de Serro - MG, a ineficiência também é do órgão gestor responsável pelo recurso, no caso a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. A burocracia é exarcebada (acredito sim que deva ter burocracia), mas nesse caso, quase como você disse: ninguém nunca assume que a ineficiência é também do pessoal responsável - os funcionários mesmo, sem capacidade técnica para agilizar em tempo hábil estabelecido por eles mesmo.
A frustração nestes casos é inevitável, uma vez que assim como os 100 Pontos de Cultura aguardam a "boa vontade" dos envolvidos, nós aqui aguardamos que o nosso projeto saia definitivamente do papel e cumpra com o objetivo proposto há 5 anos atrás, que é criar o “Museu do Queijo” como um equipamento cultural e turístico que se constitui: para o morador da comunidade, um espaço de referência simbólica e da memória da tradição do queijo artesanal do Serro;
para o visitante, um espaço documento das tradições ligadas à produção queijeira, propiciando a compreensão da cultura e da história do queijo despertando o interesse pelas visitas aos locais de produção;
e para os produtores, um ponto de referência urbana para o turismo rural.
Enfim........a novela POR AQUI também continua.....

Paulo Morais disse...

Olá Sandra,

É uma pena que aí vocês estejam sofrendo do mesmo mal... Estamos acompanhando desde o início dessa sua batalha e vendo que os problemas são os mesmos, independente da origem do recurso ou do projeto! É lamentável. Engraçado que no livro do Célio Turino ele cita a possibilidade de, no futuro, os projetos serem conveniados diretamente com as agências da Caixa nas cidades com o objetivo de... agilizar! Que pena que as coisas são desta forma. Haja omeprazol para aliviar a asia de quem trabalha com cultura!