segunda-feira, 19 de abril de 2010

Patrimônio histórico: papo de xiita?

No ano passado, uma série de discussões tomou corpo dentro da Viraminas quando começamos a questionar o que está acontecendo com o patrimônio arquitetônico de Três Corações. A Ponte dos Boiadeiros prestes a cair, a estação ferroviária (assim como os demais imóveis da Rede) deteriorada, os casarões históricos do centro dando lugar aos terríveis caixotes. Não, não somos um bando de xiitas (ou chaatos) que defende a permanência no passado em detrimento do desenvolvimento.  Estamos, sim, muito preocupados com a descaracterização da cidade e com a perda irreversível da qualidade de vida.

Não precisa ser arquiteto, urbanista, engenheiro ou especialista para perceber que o centro de Três Corações está inchado. Por não terem sido planejadas, ruas e calçadas são estreitas, o que desordena o trânsito de pedestres e veículos e impede a arborização. Além disso, a especulação imobiliária comendo solta nos brinda com caixotões horrendos, sem garagem, que tumultuam ainda mais o conturbado fluxo de carros e pessoas. Para completar, a disputa acirrada pela atenção do consumidor nos obriga a conviver com letreiros e outdoors gigantes, que causam um arrepio na espinha de qualquer pessoa com o mínimo senso de estética.

A solução para tudo isso? Primeiro, o básico: educar as pessoas. Envolver a cidade num processo de ressignificação do centro urbano, que nos leve a refletir sobre a condição atual da cidade. É este processo que desencadeará, no futuro, ações urgentes e mais práticas, como a retirada da prefeitura e da rodoviária do centro e a revitalização da Ponte dos Boiadeiros para abrigar uma feira permanente de artesanato, por exemplo.

O que deveria ser papel da prefeitura, no entanto, acaba não saindo do papel porque existe um Conselho Municipal do Patrimônio Histórico capenga, que por muitos anos funcionou apenas como muleta para servidores públicos se manterem com algum poder na cidade; e uma Secretaria Municipal de Cultura que serve exclusivamente aos interesses dos seus eventuais ocupantes, sem o mínimo empenho em dialogar com as pessoas que pensam a cultura. Perguntem aos atuais comandantes do órgão público o motivo da ausência de um Conselho Municipal de Cultura e verão que não estou mentindo.

Soma-se a tudo isso a imensa dificuldade de artistas e produtores culturais (incluindo-se artesãos, arquitetos, jornalistas, turismólogos, músicos, artistas plásticos) de se articularem e se unirem pelo desenvolvimento cultural da cidade. A Criart, associação que reunia os artesãos preocupados em promover o artesanato legitimamente tricordiano, praticamente acabou pela soma entre a dificuldade de mobilização e a fatídica canetada do prefeito Fausto Ximenes, que cancelou o aluguel do espaço até então custeado pela prefeitura.

O cenário é aparentemente desolador, mas a causa não está perdida. A Viraminas tem lutado com afinco pela profissionalização dos agentes culturais, a mais clara alternativa para que a cidade saia do zero. A tarefa é difícil, ainda mais porque a entidade funciona num espaço de sete metros quadrados (gentilmente cedido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente), com apenas três cadeiras e uma mesa.

Mesmo assim, conseguimos alguns avanços. O último deles foi a aprovação do projeto Memórias Arquitetônicas de Três Corações na Lei Estadual de Incentivo à Cultura. O objetivo é de levantar um histórico da arquitetura na cidade e apontar saídas para os desafios que se colocam. Agora, cabe às empresas dar apoio à causa. Elas podem direcionar o ICMS que pagam ao governo (e que sabe-se lá para onde vai) diretamente para este projeto e fazer com que ele aconteça sem tirar um centavo sequer do caixa. A conversa com os empresários, no entanto, tem sido complicada.

Procuramos 13 empresas, todas de grande porte, e, até agora, nenhuma sinalizou positivamente ao projeto. Uma boa parte destina seus impostos a outros estados ou estão em dívida com a Receita, o que emperra o processo. Outras simplesmente abrem mão do direito de investir na cidade, caso de uma rede de supermercados recém-instalada em Três Corações. A conversa sobre patrocínio via leis de incentivo é nova na cidade. É um processo de aprendizado, tanto nosso quanto do empresariado. A hora é de acreditar na recuperação da cidade e somente com parcerias poderemos levar este ideal adiante.

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