segunda-feira, 7 de junho de 2010

Memória dos negros brasileiros: na oralidade e nos quadrinhos

Seguindo o costume de publicar neste blog resenhas de todas as publicações às quais temos acessos em fóruns e seminários, tenho o prazer de falar de duas publicações que ficamos conhecendo no encontro de formação da rede Negras Raízes, de Paracatu, no noroeste de Minas Gerais.

A primeira delas é um livro do historiador Marcos Spagnuolo de Souza em parceria com Eleusa Gomes de Oliveira, entitulado Os Negros de Paracatu. É sempre prazeroso falar de publicações que trazem relatos da oralidade, ainda mais quando se trata de Paracatu. Foi de lá que saiu outro livro de Spaguolo, Vidas Vividas em Paracatu, o qual nos inspirou para a série de projetos que culminou na criação do Museu da Oralidade no Sul de Minas.

Os Negros traz um recorte étnico da memória oral da cidade. São 41 depoimentos, registrados tanto no centro da cidade quanto nos bairros e na zona rural. Paracatu tem uma grande comunidade negra, atribuída às lavras de ouro, que até hoje funcionam na cidade. Publicado ano passado, o livro retrata as entrevistas feitas em 2001. Os pesquisadores contam que optaram por não gravar em áudio ou vídeo as entrevistas - apenas registraram em anotações, evitando assim inibir as pessoas ouvidas.

A maioria dos ouvidos é de origem simples, muitos deles são semi-alfabetizados, o que é comum em registros da oralidade. Como foram ouvidos há quase dez anos e alguns tinham, à época, 80 ou 90 anos, acredito que existem aqueles que já tenham falecido, o que revela a importância do registro para a comunidade. Além disso, o retrato da oralidade dos negros é fundamental para compreender melhor a formação histórica e social do município, pois aos populares a história oficial costuma ser excludente e preconceituosa.

Um trecho do relato de José Alves Meireles mostra a profundidade da narrativa histórica do livro:

"O meu pai nunca me contou nada a respeito da escravidão, era só minha avó Camila que me contava alguma coisa. Ela falou comigo que os escravos sofriam muito aqui em Paracatu e que o pessoal tinha uma roda de bater e uma roda de enforcar. Hoje existe um bairro aqui em Paracatu chamado Arraia d'Angola elá existia um curral que vendia escravos que vinham de Angola, assim contava a vovó. Eles prendiam os escravos no curral e ali eles eram vendidos".
Este tipo de relato, passado de geração em geração tendo a oralidade como único suporte, fica imortalizado por projetos como este. Mesmo levando-se em consideração a volatilidade e a subjetividade características da história oral, ela não pode ser descartada como fonte de informação e de entendimento da realidade.

Outra publicação que chegou até nós pelo trabalho da Fundação Conscienciarte foi a revista em quadrinhos A Revolta dos Búzios, que retrata o episódio também conhecido como Conjuração Baiana. Publicação do grupo Olodum como embasamento para o tema do desfile de Carnaval de 2007, a história da revolta popular da Bahia é descrita por dois personagens infantis e ilustrada com precisão. O traço é do chargista Maurício Pestana.

O grande barato da narrativa é o destaque dado ao fato de a revolta baiana ter sido pensada por iniciativa popular, envolvendo alfaiates, religiosos de baixo escalão, negros libertos e até escravos. Neste ponto, a inconfidência de Salvador diferencia-se de sua antecessora mineira, que em Ouro Preto havia reunido, dez anos antes, militares e filhos de classe média no levante contra o radicalismo português.

O ideal libertário baiano era, também, mais inclusivo. Pretendia a abolição imediata da escravidão e oportunidade de empregos para os negros libertos. Tudo isso é relatado com bastante precisão. Não há como, no entanto, comparar com outra revista em quadrinhos que conheci no ano passado, chamada O que é Maceió, da editora Catavento. A publicação relata a história da capital alagoana.

A diferença entre as duas publicações é que, na de Alagoas, os personagens históricos tem mais vida, pois são deles as falas que compõem a narrativa. No conto baiano, eles são apenas figurantes. Embora ambas tenham seus méritos, a linguagem da publicação alagoana me pareceu mais agradável. O que é Maceió e A Revolta dos Búzios são duas boas leituras para jovens, professores e curiosos. Num país onde a leitura ainda não foi massificada, narrativas históricas em quadrinhos são excelentes iniciativas para difundir nossas memórias.

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