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terça-feira, 13 de julho de 2010

A ordem para os museus é se reinventar

Na última semana de junho, estivemos no estúdio do laboratório de vídeo da Funedi/UEMG, em Divinópolis, para participar do programa Questões, que trata de assuntos ligados ao meio acadêmico e sua relação com a comunidade. O tema do programa em questão era Museus e Patrimônio. O programa foi inspirado na publicação do livro Museu: cidadania, memória e patrimônio, dos professores Flávia Lemos de Azevedo, João Ricardo Ferreira Pires e Leandro Pena Catão.

O livro é resultado de um seminário que aconteceu na universidade em 2009. Trata-se de uma reunião de artigos de especialistas e acadêmicos que relataram experiências e discutiram visões teóricas sobre o universo dos museus. Publicado pela editora Crisálida e com apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é uma bela coletânea para gestores públicos de museus, principalmente do interior do Estado, região que é tema de praticamente todos os textos.

Mais do que simplesmente falar sobre o dia-a-dia dos museus, acervos, ação educativa e outros temas bem recorrentes, a coletânea trata de assuntos que cercam o universo da gestão pública da cultura: noções de patrimônio material e imaterial, história oral, ICMS Cultural, leis de incentivo à cultura e fundos estatais.

A tecla mais batida em todos os artigos apresentados é a de que é preciso repensar nosso conceito de história para, a partir daí, repensar nossos museus. A história não pode mais ser vista como a historiografia oficial, que traz apenas a voz das elites e dos vencedores. Precisamos compreendê-la como uma coexistência de diversas vozes, como o registro não apenas do extraordinário, mas também do ordinário, do cotidiano, do comum.

Assim, os museus precisam ser pensados para fazer as pessoas perceberem que o patrimônio cultural não é apenas obras de arte raríssimas, igrejas barrocas ou ferramentas de trabalho coloniais. Ele é também o que vivemos no dia-a-dia, nosso bairro, nossa vizinhança, nossa praça, nossas receitas, nossos modos de fazer. É uma visão mais ampla de patrimônio, que exige, por tabela, uma visão também mais ampla de museu e de história.

No livro, exemplos para explicar essa mudança de visão não faltam. O registro do queijo do serro como patrimônio imaterial brasileiro chega a ser citado em mais de um artigo, de tanto que é emblemático. Outros estudos de caso também são apresentados, como o trabalho de Flávia Lemos com o patrimônio imaterial de Itapecerica.

A professora Batistina Corgozinho traz uma precisa descrição do acervo do Museu Histórico de Divinópolis. Paralelamente à diversidade do acervo, que traz desde obras de arte a ferramentas dos oficineiros da rede ferroviária, é certo que a principal instituição de memória da cidade precisa se recriar. O próprio museu reconhece, como foi mostrado na Conferência Municipal de Cultura, que destacou a necessidade de implantação de plano museológico para a cidade.

Museu: cidadania, memória e patrimônio é uma leitura obrigatória para gestores de museus e memoriais do interior de Minas. Muitos desses espaços ainda se encontram naquela configuração de depósito de coisa velha. Para avançarem e se tornarem agentes influentes no modo de vida das pessoas, precisam urgentemente abrir os olhos para o que está sendo dito.

Confesso que o livro pareceu, às vezes, meio repetitivo, tamanhas eram as referências à necessidade de mudança de pensamento por parte de gestores. Mas, diante do que se vê em muitas Casas de Cultura e museus do interior, seja realmente necessário martelar na cabeça das pessoas o que se pensa sobre a real função do museu no século XXI. Fica a indicação.



Museu: cidadania, memória e patrimônio. 
Flávia Lemos Mota de Azevedo, João Ricardo Ferreira Pires e Leandro Pena Catão. Editora Crisálida, 211 páginas.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Folha do Sul: Memórias Arquitetônicas de Três Corações

Reportagem do Jornal Folha do Sul, de Três Corações, sobre o novo projeto da Viraminas. Quem assina é a repórter Danielle Terra, que também redige o blog Soletração da Terra.


Álvaro Jatobá e Mônica Furtado (foto), coordenadores do Projeto Memórias Arquitetônicas de Três Corações, mostram a importância de empresas locais patrocinarem projetos culturais aprovados pela Lei Estadual de Incentivo a Cultura e contam do que se trata esse trabalho.

Memórias Arquitetônicas é o mais recente projeto da Viraminas Associação Cultural aprovado pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Desde 2007, a Viraminas vem mostrando a cara em várias cidades mineira,s provando que é possível levar às comunidades o resgate da identidade cultural e ambiental. O projeto pretende valorizar a identidade arquitetônica de Três Corações através de um livro ilustrado, retratando a arquitetura histórica da cidade. Álvaro Jatobá, arquiteto e coordenador do projeto, entende que Três Corações possui uma bela arquitetura de importante valor histórico e turístico e ressalta: “A arquitetura de Três Corações vem sofrendo constantes perdas. São vários os casarios sendo derrubados para dar lugar a prédios sem características locais.”

Mônica Furtado, também arquiteta e pesquisadora do projeto, explica: “Em se tratando de arquitetura, é necessário um duplo olhar. De um lado, a busca do desenvolvimento através de novas tecnologias e materiais empregados nas construções, buscando novos conceitos e acompanhando o processo evolutivo da construção civil. De outro lado, a conscientização para se preservar os patrimônios arquitetônicos históricos, pois eles guardam a memória, não de um indivíduo apenas, mas de todo um grupo, uma sociedade que surgiu e cresceu ali. É possível entrar em consenso entre o passado, presente e futuro.”

O Projeto Memórias Arquitetônicas de Três Corações, já deu um grande passo para sua concretização que é a aprovação da Lei Estadual de Incentivo a Cultura. O próximo passo é conseguir das empresas locais o apoio em patrocínios. Empresas que patrocinam projetos apoiados pela Lei de Incentivo agregam mais valores em seu histórico e uma relação mais próxima com a comunidade. Podem aplicar seu ICMS em projetos na própria comunidade, vendo de perto para onde seus impostos estão indo. Ainda adquirem maior visibilidade social, já que projetos assim têm um contato direto com a comunidade, proporcionando intensa divulgação do nome da empresa.

O projeto terá como material de divulgação inicial um site que será mantido com informações sobre o desenrolar das atividades, além de ser um veiculo de divulgação para as empresas patrocinadoras. A equipe espera dar continuidade ao trabalho no decorrer de 2010 e já estão buscando patrocínio junto às empresas locais.

Também fazem parte da equipe, o jornalista Paulo Morais, o historiador Caynã Prado Viana e o projetista Prhito Kariah. Recebe ainda o apoio de expoentes da cultura tricordiana como o músico e historiador Vitor Cunha, o Secretário de Cultura Valério Néder, o fotógrafo Sansão Bogarim e o projetista Mauricio Couto, este ultimo autor de várias construções históricas de Três Corações.

Para finalizar, Álvaro Jatobá lembra que: “Um povo sem memória, sem história é um povo sem raiz, sem base sólida, por tanto é facilmente manipulado.”

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Memórias Arquitetônicas de Três Corações


Álvaro Jatobá

Arquitetura e história estão intimamente ligadas, sendo arquitetura o reflexo das características socioculturais de um lugar, em uma determinada época. Cidades mineiras como Ouro Preto, Tiradentes e Diamantina utilizam este aspecto histórico-arquitetônico preservado em benefício do turismo e da cultura, revertendo em renda e qualidade de vida para a própria cidade.

A arquitetura histórica em Três Corações vem sofrendo constantes perdas, retrato da desvalorização dos aspectos históricos e da supervalorização de materiais e formas contemporâneas, o que tem levado a uma descaracterização da identidade cultural da cidade.

Esta história escrita com tijolos e argamassa não está resguardada nem mesmo quando protegida por lei ou por tombamento, pois seus proprietários, na maioria das vezes, não veem com bons olhos tais iniciativas, vendo como empecilho para venda, reformas ou demolições, o que faz em muitos casos com que o imóvel perca valor.

Esta realidade é fato em Três Corações onde, em sua maioria, nem as autoridades, nem a população enxergam a importância estética, histórica ou econômica em tais edificações, o que tem levado a cidade a consumir sua arquitetura histórica presente principalmente no centro, em troca de estacionamentos ou novas edificações e tipologias de duvidoso valor.

As descaracterizações por reformas, pinturas e mais constantes, os letreiros comerciais que desrespeitam os detalhes arquitetônicos, prezando apenas por anúncios cada vez maiores e berrantes, são alguns fatores comuns de ameaça ao patrimônio. Estas atitudes geram grande poluição visual, prejudicando a ambiência urbana que poderia ser de agradável convívio se devidamente valorizada.

O abandono, a desvalorização, o desrespeito e o desconhecimento sobre o potencial da arquitetura histórica, vêm descaracterizando a identidade cultural presente nestas edificações, bem como de seu conjunto, o que representa uma perda sem retorno a um aspecto rico em cultura e história. Um reflexo deste desprezo é a escassez de espaços particulares ou públicos de comércio, serviços, cultura ou lazer que proporcionem e valorizem uma integração com a arquitetura histórica.

Outro fator que normalmente não é levado em consideração ou mencionado é que a preservação de um prédio histórico é também uma atitude ecológica, pois a construção de um prédio novo gasta muito mais recursos naturais do que a recuperação de um já existente, além da grande quantidade de entulho gerada com a sua demolição, que normalmente vai para terrenos vazios, proliferando vetores de doenças na cidade.

A substituição das casas antigas, normalmente construídas com mais preciosismo, sendo mais resistentes ao tempo quando bem conservadas, vem privilegiando as leis do comércio, dos descartáveis, dos modismos passageiros e prejudica a coesão e a consolidação cultural. O esquecimento da história de um povo gera o empobrecimento cultural, e sem cultura, a população é facilmente manipulada, pois não tem raízes, não tem base consolidada.

O Conselho de Patrimônio Histórico e Cultural de Três Corações (CONPAHC-TC) vem motivando e focando neste sentido, devido ao reconhecimento que a arquitetura histórica na cidade tem real potencial cultural e vem sendo degradada constantemente, o que determina a urgência de ações que estimulem a preservação do patrimônio histórico da cidade.

Em paralelo ao CONPAHC-TC, foi criado um grupo de estudos, aberto a participação de todos os interessados, sobre o Patrimônio Histórico e Cultural de Três Corações, que vem se reunindo uma vez por semana, aprofundando nas questões patrimoniais e auxiliando em projetos e apresentações sobre o tema.

Um imóvel protegido por lei de tombamento deveria ter seu valor comercial aumentado, pois o tombamento é o reconhecimento do seu valor histórico-cultural, trazendo com isso direitos e deveres. O tombamento não quer dizer que nada mais poderá ser feito com aquela edificação. É permitida sua venda, aluguel, reforma ou mudança de uso. Porém deverá existir um maior cuidado nestas ações, evitando assim sua descaracterização.

Não se propõe com estas ações uma estagnação nos estilos passados ou uma parada no tempo, mas sim que os materiais e estilos, contemporâneos e antigos, se fundam e se misturem, porém com as devidas prevenções estéticas, coexistindo em consonância, em harmonia entre o novo e o antigo, com equilíbrio ambiental, com sua identidade cultural viva, resultando assim a melhoria da qualidade de vida da população desta cidade.

Álvaro Jatobá é arquiteto e ambientalista, membro do Conselho de Patrimônio Histórico e Cultural de Três Corações e sócio da Viraminas Associação Cultural.