quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Pequenas Memórias #1
Seu Otacílio - bananeiro
“Meu nome é Otacílio Correia da Silva. Trabalho desde os 12 anos, eu toco enxada, graças a Deus. Fui criado na roça, tenho o maior sentimento de ter perdido meu pai e minha mãe muito novo.
Tô com 77 anos, tenho 7 filhos, tudo criado. Minha cabeça não dá pra ficar em casa desde que minha mulher morreu. A vida é dura.
Aquele outro senhor que vendia banana foi embora, acho que não volta mais, tava muito doente, foi embora pra São Paulo de ambulância, o coitado.
Eu vendo bananas, eu capino uma horta, eu bato enxada. Faço de um tudo, eu só não mato e roubo, conforme as leis de Deus. Eu gosto de andar no meu direito.”
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Este blog ficará em hibernação nas próximas semanas
Como vocês já puderam perceber, este blog está inativo há algumas semanas. E ficará pelas próximas, até que terminemos o processo de implantação do Ponto de Cultura da Viraminas, quando, então, migraremos para o novo espaço. Aguardem e confiem.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
Dia de Maria
Danielle Terra
Rabo do fogão a lenha
Esquenta Maria de mansinho...
Fogo ferve água pro chá de cidreira
De noitinha dorme escuta sapo no brejo
Cedinho Maria amanhece dia
Boiada segue de fileira
Sol aponta no alto
Maria avista lá longe
Vento faz redemoinho de poeira
Solidão chega de tardizinha
Maria sonha, escuta Ave Maria no rádio
Busca lenha no terreiro
Rabo do fogão
Esquenta Maria de mansinho
Fogo ferve água pro chá de cidreira
E lá vai Maria, mais um dia...
Foto lkeos'
terça-feira, 24 de agosto de 2010
O programa Cultura Viva e os malditos entraves que a burocracia impõe
Quando os primeiros sociólogos, como o alemão Max Weber, começaram a discutir as noções de como deveria funcionar o Estado em sua relação com a sociedade, definiu-se um conceito que causa arrepio em muita gente, só de pensar: burocracia. De uma forma bem superficial, podemos dizer que a proposta de burocracia defendida por Weber não é bem essa a que estamos acostumados a nos referir no dia-a-dia. Ela deveria ser uma forma de garantir o tratamento igual pelo estado a todos os cidadãos, por meio da determinação de regras para o convívio entre as esferas pública e privada.
Acontece que, na prática, a relação entre o estado e o povo não é tão simples. Para disciplinar o diálogo entre as esferas, foram criadas tantas regras e leis que se fundem e se confundem que, no fim das contas, burocracia virou sinônimo de papelada, tempo perdido, atraso de vida. Não é por acaso que, em debates sobre políticas públicas de diversas áreas, tanto se fala em reduzir a burocracia.
Um exemplo prático do que estamos falando aconteceu no curso ministrado na semana passada pela Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, voltado às entidades selecionadas pelo edital de Pontos de Cultura. São 100 entidades aprovadas em concorrência pública, que receberam em julho, depois de muito atraso, a primeira das três parcelas anuais de R$ 60 mil, destinadas ao desenvolvimento de atividades culturais em rede. Não bastasse o tenebroso período de espera para receber o recurso previsto no edital, cujo motivo já foi amplamente apresentado neste blog, os representantes das entidades foram atemorizados por uma série de regras para compra de bens e contratação de serviços.
A prestação de contas do dinheiro recebido não é brincadeira. Os instrutores contratados pelo Estado para explicar as regras do convênio tocaram o terror. O que acontece é que todas as compras devem se submeter ao regime da lei de licitações, a lei 8.666, o tão conhecido manual de instruções para prefeituras do interior fraudarem concorrências de contratações com dinheiro do povo. A princípio, a submissão dos Pontos de Cultura aos critérios da 8.666 parece positivo, uma vez que, dessa forma, as contratações estariam condicionadas a respeitar os critérios de moralidade, impessoalidade e transparência. Porém, fora das salas com ar-condicionado de especialistas em direito público, a realidade é outra.
Os pontos de cultura são mantidos por entidades do terceiro setor com carência de recursos humanos. A maioria fica em cidades do interior afastadas dos grandes centros e atuam em comunidades que tem dificuldades em compreender a complexidade dos regimes de licitação exigidos por lei. Como querer, por exemplo, que um terreiro de candomblé, uma tribo indígena ou um grupo de teatro de uma comunidade rural redijam um edital público de licitação para contratação de um oficineiro com as mesmas exigências de um governo de Estado para construção de uma rodovia que custa bilhões de reais? Vamos combinar que são estruturas desiguais lidando com situações absolutamente diferentes que, portanto, merecem regimes diferentes de prestação de contas à sociedade.
É por conta de desigualdades como estas que Pontos de Cultura de convênios anteriores ao atual estão com uma série de atrasos nos cronogramas de trabalho. Embora seja o mais eficaz programa cultural já realizado no Brasil, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 60% dos projetos aprovados no edital de 2004 e 90% dos selecionados em 2005 não chegaram ao terceiro ano do projeto. Para os cidadãos beneficiados pelos projetos, os entraves burocráticos representam a perda de oportunidades.
Não seria o caso, então, de se pensar em uma maneira de tornar mais eficiente a relação entre estado e sociedade, garantido a transparência e a correção nos gastos sem exigências tão perversas de prestação de contas? O que está em jogo não é a moralidade e a eficiência do gasto público, mas, sim, a viabilidade de projetos culturais que movimentam o interior do Brasil. É totalmente possível simplificar as regras de uso das verbas sem que se abram as portas para desvios de dinheiro.
Para começar, é preciso levar em consideração que, quando projeto é aprovado, ele já passou por uma concorrência que observou, inclusive, a adequação da planilha de custos aos valores de mercado. Um projeto que superfaturasse os valores sequer seria aprovado. Diante disso, é evidente que realizar tomadas de preço ágeis e simplificadas, visando garantir a transparência na escolha de fornecedores já seria suficiente para evitar desvios de conduta.
Outro ponto questionável: pelo que é dito nos cursos de prestação de contas, a contratação de recursos humanos deve se dar basicamente pelo critério econômico. Ou seja, o mérito artístico de quem vai executar os projetos é descartado diante do preço mais baixo. Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento sobre arte ou cultura sabe que o critério do preço dificilmente será o mais adequado para definir o gestor de um projeto que envolve música, literatura, teatro, cinema ou qualquer outra linguagem. Se o preço previsto no projeto já está adequado aos valores de mercado, por que não usar o mérito técnico para realizar as escolhas?
A solução para tais dilemas só será possível nos próximos editais, desde que haja revisão na legislação. É por isso que, nos fóruns de pontos de cultura, tanto se fala na Lei Cultura Viva, projeto que está em discussão e que, espera-se, seja encaminhado ao Congresso Nacional por iniciativa popular, a exemplo do que aconteceu com a Lei da Ficha Limpa. Uma proposta de anteprojeto já circula na rede há alguns meses. A entrada para tramitação no congresso depende do trabalho de todos os pontos e da tão falada articulação em rede.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Lançamento do Museu da Oralidade: O Reinado de Bené
O Reinado de Bené é o mais novo lançamento do Museu da Oralidade, o Ponto de Cultura da Viraminas. É o produto resultante do projeto Reinado para as Novas Gerações, que pesquisou a memória oral dos reinadeiros de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito de Divinópolis, cidade do Oeste do Estado. O projeto foi realizado com patrocínio da Etiquetadora Amaral (Etiam), via Lei Municipal de Incentivo à Cultura.
O lançamento oficial acontece no dia 12 de agosto, quinta-feira, na Biblioteca Pública Ataliba Lago, às 19h30; e no dia 14, sábado, na Boutique do Livro, a partir das 10h. Leia abaixo o prefácio da escritora Ana Maria Gonçalves e clique na imagem acima para baixar a versão em PDF.
Onde hoje é o Benin, havia o Daomé, um dos mais ricos e poderosos reinos africanos, de onde embarcaram centenas de milhares de escravos para o Brasil. Do caminho desde a cidade de Uidá, sua capital, até o porto, as caravanas de triste destino passavam por um local batizado de Árvore do Esquecimento. Lá havia mesmo uma árvore, em torno da qual os homens tinham que dar nove voltas e as mulheres, sete. Acreditava-se que, dessa maneira, os futuros escravos esqueceriam a vida que tinham levado até aquele momento, suas crenças, suas tradições, suas origens, seu povo. Pensando no pouco que nós brasileiros conhecemos da rica herança africana, às vezes sou tentada a acreditar que isso de fato aconteceu, que foi possível calar ou apagar parte significativa de uma história tão rica e importante na formação da nossa identidade. Mas aí...
Eu quase vejo Bené, vivendo na fronteira entre a infância e a juventude, a realidade e o mundo dos sonhos, a cidade e a roça, a modernidade e a tradição. E Bené se sai muito bem, sabendo que, o que às vezes parece contraditório, quase sempre pode ser complementar. Eu também cresci assim, e ele poderia ter sido qualquer um dos vários amigos com quem compartilhei brincadeiras, aventuras, trabalhos escolares, viagens e emoções.
Aqui, Bené nos pega pela mão e nos guia através do Reinado, uma das muitas tradições de seus antepassados africanos, e nos ensina que o conhecimento que está nos livros não é o único digno de registro e respeito. Ele nos mostra que há também outro tipo de sabedoria, singular, significativa, passada de geração em geração, com simplicidade, fé e respeito. Não há como não querer tê-lo por perto, como amigo. Ouve só...
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Direto ao ponto: Inventário dos Terreiros promove diversidade cultural e religiosa
Não é de hoje que as expressões religiosas de matriz africana sofrem com o preconceito e a intolerância de boa parte dos brasileiros. Muita gente ainda abarca o candomblé e a umbanda, em sua diversidade de formas e cultos, dentro da ideia única de macumba, espiritismo ou outras denominações pejorativas. E não precisa ser nenhum especialista para saber que a explicação disso é como todo enredo de escola de samba: começa no momento em que Cabral pisou por aqui.
Derrotar o preconceito religioso é uma forma de garantir preceitos que estão na constituição, desde a liberdade de culto à igualdade de todos perante à lei. É com este pensamento que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) lançou em fevereiro deste ano o Inventário dos Terreiros do Distrito Federal e Entorno, publicação que chegou à biblioteca do Museu da Oralidade por ocasião do encontro da rede Negras Raízes, em Paracatu, em maio deste ano.
A obra vai direto ao ponto, sem rodeios. Uma boa apresentação, assinada pelo superintendente do Iphan no DF, Alfredo Gastal, relata a resistência do conselho consultivo do órgão em acatar o primeiro pedido de tombamento de um terreiro de candomblé soteropolitano como patrimônio cultural brasileiro, ainda na década de 1980. Naquela época, o juízo de valor então vigente atribuía o título apenas a construções de estilo europeu e elitista, situação que começou a ser repensada a partir daquela discussão.
Paralelamente à popularização do reconhecimento de construções como patrimônio histórico, outras discussões foram ganhando relevância com o tema, envolvendo a diversidade cultural e o patrimônio imaterial. Estas mudanças fortalecem o entendimento da importância das religiões de matriz africana como formadores de nossa identidade.
O Inventário então revela ao leitor, de forma precisa e rápida, onde e como funcionam 26 terreiros de umbanda e candomblé de Brasília e das cidades satélites, narrando o histórico de cada um e falando da relação com a comunidade. Os registros foram feitos por meio de questionários e trazem, ainda, o calendário festivo e religioso de cada centro.
É interessante perceber que uma parte dos terreiros pesquisados vem de migrantes baianos, que criaram "filiais" de seus centros originais na capital federal. Outra parte veio trazida de outros migrantes, mineiros, goianos e cariocas, enquanto alguns mais recentes surgiram espontaneamente em Brasília a partir do trabalho de moradores locais.
Sobre o relacionamento com a vizinhança, há casos relatados de alguns terreiros que tiveram de se mudar para outros bairros por conta da intolerância. Porém, chama a atenção o fato de vários deles apresentarem boa relação com a comunidade, mesmo se tratando de vizinhos de outras religiões. Este dado positivo pode ser atribuído, como mostra o inventário, às obras sociais dirigidas pelos pais de santo. Além da distribuição de comida aos mais necessitados, existem terreiros que oferecem cursos profissionalizantes, biblioteca e telecentros comunitários. Em um deles, foi instalado um Ponto de Cultura.
Após os registros dos terreiros, o Inventário apresenta as legislações pertinentes ao tema da promoção da diversidade cultural e um glossário com termos de candomblé e umbanda. Os dois anexos explicitam ainda mais a intenção da obra de se tornar uma referência para o reconhecimento das expressões culturais de origem africana como herança cultural formadora da identidade brasileira.
A criação de inventários é fundamental para qualquer política de preservação, promoção e difusão do patrimônio cultural, seja de qualquer lugar. A ideia é simples: não há como preservar aquilo que não se conhece. Para quem quer se embrenhar na tarefa de realizar trabalhos de pesquisa de cultura e memória, o inventário do Distrito Federal é uma excelente obra tanto para referência quanto para inspiração.
Derrotar o preconceito religioso é uma forma de garantir preceitos que estão na constituição, desde a liberdade de culto à igualdade de todos perante à lei. É com este pensamento que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) lançou em fevereiro deste ano o Inventário dos Terreiros do Distrito Federal e Entorno, publicação que chegou à biblioteca do Museu da Oralidade por ocasião do encontro da rede Negras Raízes, em Paracatu, em maio deste ano.
A obra vai direto ao ponto, sem rodeios. Uma boa apresentação, assinada pelo superintendente do Iphan no DF, Alfredo Gastal, relata a resistência do conselho consultivo do órgão em acatar o primeiro pedido de tombamento de um terreiro de candomblé soteropolitano como patrimônio cultural brasileiro, ainda na década de 1980. Naquela época, o juízo de valor então vigente atribuía o título apenas a construções de estilo europeu e elitista, situação que começou a ser repensada a partir daquela discussão.
Paralelamente à popularização do reconhecimento de construções como patrimônio histórico, outras discussões foram ganhando relevância com o tema, envolvendo a diversidade cultural e o patrimônio imaterial. Estas mudanças fortalecem o entendimento da importância das religiões de matriz africana como formadores de nossa identidade.
O Inventário então revela ao leitor, de forma precisa e rápida, onde e como funcionam 26 terreiros de umbanda e candomblé de Brasília e das cidades satélites, narrando o histórico de cada um e falando da relação com a comunidade. Os registros foram feitos por meio de questionários e trazem, ainda, o calendário festivo e religioso de cada centro.
É interessante perceber que uma parte dos terreiros pesquisados vem de migrantes baianos, que criaram "filiais" de seus centros originais na capital federal. Outra parte veio trazida de outros migrantes, mineiros, goianos e cariocas, enquanto alguns mais recentes surgiram espontaneamente em Brasília a partir do trabalho de moradores locais.
Sobre o relacionamento com a vizinhança, há casos relatados de alguns terreiros que tiveram de se mudar para outros bairros por conta da intolerância. Porém, chama a atenção o fato de vários deles apresentarem boa relação com a comunidade, mesmo se tratando de vizinhos de outras religiões. Este dado positivo pode ser atribuído, como mostra o inventário, às obras sociais dirigidas pelos pais de santo. Além da distribuição de comida aos mais necessitados, existem terreiros que oferecem cursos profissionalizantes, biblioteca e telecentros comunitários. Em um deles, foi instalado um Ponto de Cultura.
Após os registros dos terreiros, o Inventário apresenta as legislações pertinentes ao tema da promoção da diversidade cultural e um glossário com termos de candomblé e umbanda. Os dois anexos explicitam ainda mais a intenção da obra de se tornar uma referência para o reconhecimento das expressões culturais de origem africana como herança cultural formadora da identidade brasileira.
A criação de inventários é fundamental para qualquer política de preservação, promoção e difusão do patrimônio cultural, seja de qualquer lugar. A ideia é simples: não há como preservar aquilo que não se conhece. Para quem quer se embrenhar na tarefa de realizar trabalhos de pesquisa de cultura e memória, o inventário do Distrito Federal é uma excelente obra tanto para referência quanto para inspiração.
terça-feira, 13 de julho de 2010
A ordem para os museus é se reinventar
Na última semana de junho, estivemos no estúdio do laboratório de vídeo da Funedi/UEMG, em Divinópolis, para participar do programa Questões, que trata de assuntos ligados ao meio acadêmico e sua relação com a comunidade. O tema do programa em questão era Museus e Patrimônio. O programa foi inspirado na publicação do livro Museu: cidadania, memória e patrimônio, dos professores Flávia Lemos de Azevedo, João Ricardo Ferreira Pires e Leandro Pena Catão.
O livro é resultado de um seminário que aconteceu na universidade em 2009. Trata-se de uma reunião de artigos de especialistas e acadêmicos que relataram experiências e discutiram visões teóricas sobre o universo dos museus. Publicado pela editora Crisálida e com apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é uma bela coletânea para gestores públicos de museus, principalmente do interior do Estado, região que é tema de praticamente todos os textos.
Mais do que simplesmente falar sobre o dia-a-dia dos museus, acervos, ação educativa e outros temas bem recorrentes, a coletânea trata de assuntos que cercam o universo da gestão pública da cultura: noções de patrimônio material e imaterial, história oral, ICMS Cultural, leis de incentivo à cultura e fundos estatais.
A tecla mais batida em todos os artigos apresentados é a de que é preciso repensar nosso conceito de história para, a partir daí, repensar nossos museus. A história não pode mais ser vista como a historiografia oficial, que traz apenas a voz das elites e dos vencedores. Precisamos compreendê-la como uma coexistência de diversas vozes, como o registro não apenas do extraordinário, mas também do ordinário, do cotidiano, do comum.
Assim, os museus precisam ser pensados para fazer as pessoas perceberem que o patrimônio cultural não é apenas obras de arte raríssimas, igrejas barrocas ou ferramentas de trabalho coloniais. Ele é também o que vivemos no dia-a-dia, nosso bairro, nossa vizinhança, nossa praça, nossas receitas, nossos modos de fazer. É uma visão mais ampla de patrimônio, que exige, por tabela, uma visão também mais ampla de museu e de história.
No livro, exemplos para explicar essa mudança de visão não faltam. O registro do queijo do serro como patrimônio imaterial brasileiro chega a ser citado em mais de um artigo, de tanto que é emblemático. Outros estudos de caso também são apresentados, como o trabalho de Flávia Lemos com o patrimônio imaterial de Itapecerica.
A professora Batistina Corgozinho traz uma precisa descrição do acervo do Museu Histórico de Divinópolis. Paralelamente à diversidade do acervo, que traz desde obras de arte a ferramentas dos oficineiros da rede ferroviária, é certo que a principal instituição de memória da cidade precisa se recriar. O próprio museu reconhece, como foi mostrado na Conferência Municipal de Cultura, que destacou a necessidade de implantação de plano museológico para a cidade.
Museu: cidadania, memória e patrimônio é uma leitura obrigatória para gestores de museus e memoriais do interior de Minas. Muitos desses espaços ainda se encontram naquela configuração de depósito de coisa velha. Para avançarem e se tornarem agentes influentes no modo de vida das pessoas, precisam urgentemente abrir os olhos para o que está sendo dito.
Confesso que o livro pareceu, às vezes, meio repetitivo, tamanhas eram as referências à necessidade de mudança de pensamento por parte de gestores. Mas, diante do que se vê em muitas Casas de Cultura e museus do interior, seja realmente necessário martelar na cabeça das pessoas o que se pensa sobre a real função do museu no século XXI. Fica a indicação.
Museu: cidadania, memória e patrimônio.
Flávia Lemos Mota de Azevedo, João Ricardo Ferreira Pires e Leandro Pena Catão. Editora Crisálida, 211 páginas.
O livro é resultado de um seminário que aconteceu na universidade em 2009. Trata-se de uma reunião de artigos de especialistas e acadêmicos que relataram experiências e discutiram visões teóricas sobre o universo dos museus. Publicado pela editora Crisálida e com apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é uma bela coletânea para gestores públicos de museus, principalmente do interior do Estado, região que é tema de praticamente todos os textos.
Mais do que simplesmente falar sobre o dia-a-dia dos museus, acervos, ação educativa e outros temas bem recorrentes, a coletânea trata de assuntos que cercam o universo da gestão pública da cultura: noções de patrimônio material e imaterial, história oral, ICMS Cultural, leis de incentivo à cultura e fundos estatais.
A tecla mais batida em todos os artigos apresentados é a de que é preciso repensar nosso conceito de história para, a partir daí, repensar nossos museus. A história não pode mais ser vista como a historiografia oficial, que traz apenas a voz das elites e dos vencedores. Precisamos compreendê-la como uma coexistência de diversas vozes, como o registro não apenas do extraordinário, mas também do ordinário, do cotidiano, do comum.
Assim, os museus precisam ser pensados para fazer as pessoas perceberem que o patrimônio cultural não é apenas obras de arte raríssimas, igrejas barrocas ou ferramentas de trabalho coloniais. Ele é também o que vivemos no dia-a-dia, nosso bairro, nossa vizinhança, nossa praça, nossas receitas, nossos modos de fazer. É uma visão mais ampla de patrimônio, que exige, por tabela, uma visão também mais ampla de museu e de história.
No livro, exemplos para explicar essa mudança de visão não faltam. O registro do queijo do serro como patrimônio imaterial brasileiro chega a ser citado em mais de um artigo, de tanto que é emblemático. Outros estudos de caso também são apresentados, como o trabalho de Flávia Lemos com o patrimônio imaterial de Itapecerica.
A professora Batistina Corgozinho traz uma precisa descrição do acervo do Museu Histórico de Divinópolis. Paralelamente à diversidade do acervo, que traz desde obras de arte a ferramentas dos oficineiros da rede ferroviária, é certo que a principal instituição de memória da cidade precisa se recriar. O próprio museu reconhece, como foi mostrado na Conferência Municipal de Cultura, que destacou a necessidade de implantação de plano museológico para a cidade.
Museu: cidadania, memória e patrimônio é uma leitura obrigatória para gestores de museus e memoriais do interior de Minas. Muitos desses espaços ainda se encontram naquela configuração de depósito de coisa velha. Para avançarem e se tornarem agentes influentes no modo de vida das pessoas, precisam urgentemente abrir os olhos para o que está sendo dito.
Confesso que o livro pareceu, às vezes, meio repetitivo, tamanhas eram as referências à necessidade de mudança de pensamento por parte de gestores. Mas, diante do que se vê em muitas Casas de Cultura e museus do interior, seja realmente necessário martelar na cabeça das pessoas o que se pensa sobre a real função do museu no século XXI. Fica a indicação.
Museu: cidadania, memória e patrimônio.
Flávia Lemos Mota de Azevedo, João Ricardo Ferreira Pires e Leandro Pena Catão. Editora Crisálida, 211 páginas.
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